São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
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Autor narra libertação de um burocrata

JOSÉ GERALDO COUTO
DO ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT

"Todos os Nomes", o novo romance de José Saramago, é a história de uma busca inglória, mas engrandecedora.
O sr. José, um funcionário da Conservatória Geral, que passa os dias a registrar monotonamente os nascimentos e mortes de pessoas desconhecidas, tem o hobby de juntar recortes de imprensa sobre celebridades.
Há o mundo dos anônimos, catalogados em pastas numa repartição impessoal e labiríntica como um pesadelo burocrático, e há o mundo dos famosos.
Em um belo dia, o sr. José leva para casa por acidente a pasta referente a uma mulher desconhecida. Ele só sabe seu nome, o endereço onde nasceu, data de nascimento, de casamento e de divórcio.
É o que basta para atiçar sua curiosidade (sua paixão, sua loucura?) e levá-lo a uma busca insana por conhecer essa mulher, torná-la real, destacá-la da massa anônima dos arquivos.
Esse movimento inesperado do protagonista em direção à vida -e, quem sabe, ao amor- tem no livro de Saramago o sentido de uma epifania.
A maneira como Saramago escreve essa situação tem algo de paradoxal. Por um lado, há a sua maestria no domínio da linguagem, do tom, da velocidade narrativa. Os diálogos, por exemplo, nunca merecem travessões ou aspas, e os próprios pontos de interrogação são abolidos, tornados supérfluos pelo ritmo da frase, pelo sentido dramático da cena.
Há também a produção incessante de esboços de fios romanescos que se desfazem um após o outro. E se a mulher tivesse um novo marido? E se tivesse filhos? Tudo é ficção e tudo é realidade no mundo mental do sr. José.
A par desse fino jogo literário, e da depuração da linguagem, Saramago deixa escapar em certos momentos cenas desnecessárias (ou, pelo menos, a minúcia de sua descrição). O texto se torna deliberadamente lento, como a adiar os movimentos importantes da trama, e o espaço é ocupado por divagações que não estão muito longe do senso comum.
É como se o autor tivesse estabelecido uma comunicação tão próxima com seu leitor que não conseguisse deixar de lado a conversa sobre amenidades. Nesses momentos, seu texto se distancia da substância brutal do "Ensaio sobre a Cegueira", em comparação com o qual este "Todos os Nomes" soa um tanto aprazível demais.
(JGC)

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