São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Walderez de Barros faz rito de "Medéia"

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Em "Medéia" o coração da montagem é Walderez de Barros. A atriz, reconhecida por belas interpretações em peças recentes como "A Gaivota" e "Max", busca nas entranhas o vigor ritual de Medéia, seu personagem. Um vigor que a encenação, por si só, não tem, e até renega.
A encenação traz uma versão reduzida das tragédias de Eurípides (c. 485-407 a.C.) e Sêneca (c. 4 a.C-65 d.C.). O diretor Jorge Takla, depois de atuar numa histórica "Medéia" de Andrei Serban, parece ter optado por uma versão oposta: o mais possível não-ritualística, não-religiosa.
Dá uma moldura "moderna" e a peça surge como que destituída da porção propriamente trágica, no sentido dado por Michel Berveiller ("a mola da tragédia grega é a emoção religiosa").
O que Takla faz é reduzir o mito ao seu esqueleto, o que é questionável. De todo modo, em "Medéia", trata-se de um Eurípides que, posterior a Ésquilo e Sófocles, já não crê nos deuses que chama à cena, concentrando-se nas tragédias individuais. Um fragmento conhecido seu, aliás, diz: o espírito é deus em cada um de nós.
É o que faz Walderez de Barros. É como se concentrasse em si mesma a tragédia, o rito. É o que ela se desdobra para dar a Medéia, à trágica decisão de matar os próprios filhos, para se vingar da traição de Jasão; e ela alcança.
Em cena, não se trata de mais um drama moderno, "de costumes", sobre o ciúme. Medéia, à sua maneira, vive uma epifania, envereda por uma loucura panteísta, como se estivesse nela o poder de deus e o poder do demônio.
É em tal condição que se dá a sua ação de destruir. Há algo de absoluto na atriz quando está tomada para o mais abominável dos atos. E o sacrifício é ritual. Ela se cerca do coro e mergulha no assassinato ritual dos dois filhos.
Por outro lado, é frustrante a encenação até o momento em que a atriz, ou seu rito, toma a cena. Seus confrontos com Jasão, seus diálogos com o reis Creonte e Egeu e as poucas intervenções do coro arrastam-se algo realistas, modernas -e sem significado.
A peça transcorre morosamente, apesar das interpretações corretas, tanto de Oswaldo Mendes, que faz Creonte e Egeu, quanto de Francarlos Reis, Jasão.
(NS)

Peça: Medéia
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h
Onde: Teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 011/256-2281)
Quanto: R$ 20

Texto Anterior: "Canção" é laço entre o teatro e vida
Próximo Texto: Mineiro ganha prêmio de R$ 25 mil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.