São Paulo, sábado, 18 de outubro de 1997
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Na Índia, rainha vive fiasco diplomático

PATRICE DE BEER
DO "LE MONDE", EM LONDRES

Iniciada de maneira auspiciosa, a viagem da rainha Elizabeth 2ª ao Paquistão e à Índia, neste 50º aniversário da independência dos países do antigo império britânico, terminou em desastre diplomático. As coisas foram muito bem em Islamabad, onde o governo paquistanês não mediu esforços para acolher a soberana da antiga potência colonial, mas depois disso uma sucessão de pequenas frases mal escolhidas, gafes e incidentes infelizes estragou o efeito que o Reino Unido esperava da primeira viagem real ao exterior desde a morte da princesa Diana.
Tudo começou com uma frase de um discurso oficial feito pela rainha no Paquistão, na qual convidou Islamabad e Nova Déli a "porem fim a suas desavenças históricas" em relação à Caxemira, em torno da qual os dois países já travaram duas guerras desde 1947.
Indignação indiana
A iniciativa do chanceler britânico, Robin Cook, de propor uma mediação britânica no conflito desencadeou uma polêmica na Índia. Um membro do governo indiano a qualificou de tão despropositada quanto seria uma hipotética ingerência da diplomacia indiana na questão irlandesa.
A imprensa britânica não perdeu nenhum desses momentos em que a descendente da rainha Vitória, imperatriz das Índias, deu um passo em falso, por exemplo ao deixar de pedir desculpas à população de Amritsar, onde o Exército britânico promoveu um massacre de civis em 1919, ou quando o príncipe Philip pôs publicamente em dúvida o número de vítimas do massacre.
Diversas confusões de protocolo deram conta do resto. Os resultados econômicos da viagem, as boas relações entre os dois países, tudo foi esquecido. Restou apenas a imagem de um "fracasso" descrito impiedosamente nas manchetes dos grandes jornais londrinos.
Na quinta-feira, 16 de outubro, o primeiro-ministro trabalhista do Reino Unido, Tony Blair, interveio pessoalmente para limitar os estragos. Ele parabenizou Robin Cook, enquanto a máquina de relações públicas do governo se colocava em marcha para afirmar que a viagem foi um sucesso e que a rainha teve uma acolhida "extraordinariamente calorosa". Enquanto isso, Cook falava em uma "tempestade em copo d'água".
Insensibilidade
O fato é que Londres não se mostrou suficientemente sensível à susceptibilidade extrema de seus antigos súditos. No entanto, pouco antes da visita o premiê indiano, Inder Kumar Gujral, havia qualificado o Reino Unido de "potência de terceira ordem".
Os britânicos acharam que a rainha, com seu imenso prestígio, não poderia deixar de ser um sucesso diplomático, como geralmente acontece em ocasiões semelhantes. Mas a magia real deixou de operar em solo indiano.
Tanto o Palácio de Buckingham quanto Whitehall sobrestimaram o peso dos laços históricos com um país que já se tornou potência por conta própria e para o qual a antiga potência colonizadora deixou de ser uma parceira privilegiada.
Influência do Paquistão
A Índia também vê com maus olhos o reequilíbrio da política britânica em favor do Paquistão, país de onde milhões de cidadãos emigraram para o Reino Unido.
Entre esse grupo de imigrantes paquistaneses há uma comunidade considerável de originários da Caxemira, que promovem uma campanha permanente em prol da autodeterminação do território disputado pela Índia e pelo Paquistão.
Antes das eleições, Robin Cook não fazia segredo de seu apoio à causa da Caxemira. Os indianos, sem dúvida, quiseram fazê-lo pagar por isso.
A desastrosa visita real à Índia aconteceu uma semana antes da cúpula de chefes de Estado e de governo do Commonwealth em Edimburgo (Escócia), fato que pode lançar uma sombra sobre o futuro das relações entre Londres e Nova Déli.

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