São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pedras preciosas

CELSO LODUCCA

Darwin escondeu suas descobertas por muitos anos, com o temor de ser execrado. Galileu o foi e teve que renegar sua teoria do heliocentrismo para não morrer. Cristãos foram perseguidos implacavelmente por acreditarem em um Deus de amor, único. Sócrates foi obrigado a tomar cicuta por não falar o que a maioria gostaria de ouvir. O que se costuma chamar de ordem vigente sempre achou suas fórmulas para isolar, física ou moralmente, os que com ela não comungam.
Parece que o que tem evoluído ao longo dos séculos são os métodos desse isolamento e não a disposição em aceitar as divergências. Temos evitado, em nome de uma tal civilidade, o extermínio puro e simples e optado pelo lento e tortuoso estrangulamento financeiro.
Por ironia, as unanimidades todas nascem como minoria, como incômodo, como pedras no sapato oficial. O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso -a maior unanimidade brasileira depois da Carla Perez- já foi um prato difícil de engolir no passado.
Aqueles que questionam acabam incomodando, sim, muito mais do que pessoalmente gostaríamos. Tendemos a vê-los como o mal que atrapalha o caminho do bem e da verdade. Mas parece que temos uma dificuldade intransponível em admitir, por mais exemplos que a história já tenha nos dado, que a dúvida, o questionamento, a não aceitação passiva é que nos obriga a crescer, a rever e dar saltos reais de qualidade e consciência.
Por menos que gostemos, são as pedras no sapato que nos fazem reavaliar o caminho e até o sapato. E que nos impulsionam para o aprimoramento em todos os sentidos. Negar espaço para a crítica e para o questionamento é tentar negar a possibilidade de avanço.
Não precisamos concordar com o conteúdo, muito menos com a forma, mas não podemos prescindir dos que nos incomodam e nos fazem parar. Para repensar. Garantir espaços é garantir vitalidade, capacidade de renovação própria. É evitar que a cicuta seja tomada por todos nós.

Texto Anterior: Empresários mexicanos rejeitam pacto social; Colômbia reduz em 4,19% preços de café
Próximo Texto: Reação da celulose ainda não puxa Aracruz
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.