São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 1997
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Chahine nega o fanatismo

RUI MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Numa época em que se degolam mulheres, crianças e velhos na Argélia e turistas são metralhados no Egito, o cineasta egípcio Youssef Chahine surge como um profeta árabe contra o fanatismo.
Nascido na cosmopolita Alexandria e estudante de cinema nos Estados Unidos, os primeiros filmes de Chanine introduziram no Egito, nos anos 50, os elementos psicológicos, realistas e sociais, em oposição ao melodrama e às comédias musicais da época.
Quando chegou ao trigésimo quarto longa-metragem, sobre a vida de José do Egito, defrontou-se com a onda de intolerância muçulmano-integrista nos países árabes.
O filme, proibido no Egito, acabou por inspirar Chahine para um outro filme, sobre tolerância, numa época em que os árabes na Espanha conviviam com judeus e cristãos. "O Destino" conta a história do filósofo Averroes, no século 12. Racionalista, ele foi o primeiro a ver a oposição entre a verdade revelada pelo Alcorão e a verdade racional. Isso provocou reações com os integristas da época, mas a queima de seus escritos não destruiu sua obra.
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Folha - Por que o fanatismo se manifesta ainda hoje?
Youssef Chahine - Existem diversas explicações, entre elas, a da existência de uma conivência entre os detentores do poder e os fanáticos, que podem trocar um escritor por dois ou três terroristas, por exemplo. Esse mecanismo da violência dá medo, mas não posso me submeter a ele se quero continuar a exercer minha profissão.
Folha - Por que escolheu o tema da tolerância?
Chahine - Porque os árabes não conhecem bem sua história e os ocidentais não conhecem a história árabe. A imagem do mundo árabe, de mulheres de rosto velado, é aberrante. Isso não corresponde à verdade. Vivemos uma época de globalização econômica, de pensamento único, quando o importante é que cada um aprenda a viver com o outro, mas guardando suas diferenças e sua identidade. Entretanto, a maioria dos regimes, americano ou integrista, quer aplainar as diferenças, para que todos amem, pensem e queiram a mesma coisa.
Folha - No que seu filme é contemporâneo?
Chahine - Na ação de fanáticos egípcios para impedir a exibição de meu filme sobre José do Egito, "O Emigrante". Como a violência não conseguiu se propagar no Egito como na Argélia, passaram a utilizar a Justiça para intimidar os que não se subordinam ao fanatismo. Mas quando se fala de fanatismo, não podemos ser simplistas. O fanatismo está em toda parte, a questão é por que ele se transforma em terrorismo. "O Destino" quer retratar a época de ouro do Islã, o Islã da tolerância.
Folha - Como veio a idéia de reagir contra intolerância integrista?
Chahine - Quando os integristas proibiram "O Emigrante", alegando ser proibido contar no cinema a vida de um profeta, lembrei-me de Andaluzia, de sua música, dessa Espanha, onde, no século 12, muçulmanos, judeus e cristão viviam juntos, como na Alexandria de minha infância. Li todos os livros sobre Averroes, um grande filósofo da época, cujas obras foram proibidas. Achei que através dele poderia contar o combate contra a intolerância.

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