São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 1997
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'Vermelho Sangue' extrema paixão

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

"Vermelho Sangue" chega à mostra com boa bagagem. Ganhou três prêmios só no Festival de Veneza 96, inclusive o de melhor roteiro (para Paz Alicia Garciadiego, mulher do diretor, Arturo Ripstein).
A história gira em torno de Nicolás Estrella, um gigolô que vive de explorar mulheres solitárias que encontra via seções de anúncios sentimentais.
Um dia, Nicolás conhece Carol, uma enfermeira gorda e não muito bonita, por quem se apaixona.
Nasce daí uma cumplicidade doentia, já que Nicolás, para continuar na profissão, passa a apresentar Carol às vítimas como sua irmã. O ciúme doentio de Carol e a devoção de Nicolás por ela levarão o casal a praticar uma série de assassinatos.
Para quem viu, será fácil lembrar de "Lua-de-Mel de Assassinos" (1970), uma pequena obra-prima de Leonard Kastle, do qual "Vermelho Sangue" é uma refilmagem. Mas os encantos e os problemas dessa refilmagem vêm de certas opções do diretor e da roteirista.
Primeiro, os problemas.
Logo no início, a idéia de dotar Carol de dois filhos -que ela abandona para se juntar a Nicolás- prejudica um pouco a trama. Essa monstruosidade tende a ofuscar as que virão, já que nos revela Carol e sua insânia, de imediato e por inteiro.
Como Nicolás não é um tipo interessante em si, o filme passa a oscilar conforme o interesse das personagens secundárias (as vítimas) e tende a momentos em que a progressão dramática quase inexiste.
Já a transposição da história para o México acrescenta a "Vermelho Sangue" contornos atraentes: o catolicismo profundo rende cenas interessantes e uma atmosfera grotesca, à la Buñuel, em que a tensão entre religiosidade e perversão é marcante.
O fato de o roteiro ser escrito por uma mulher também ajuda a criar episódios fortes. O melhor é o de uma senhora que se apresenta como viúva (mas não é bem assim) alegre (e também não é assim).
O ponto alto do filme, porém, é a relação entre o gigolô e sua dupla imagem. É muito boa a idéia de dotar o belo Nicolás de uma ampla calva, que ele oculta obsessivamente com uma peruca.
A calva é um segredo profissional, mas também o único traço de franqueza e verdade em alguém cuja essência é a falsidade.
Essa idéia tem bons desdobramentos, num filme em que os gestos extremados às vezes deslocam o ponto central de interesse: uma paixão absoluta, maior do que as transgressões, os crimes e o inferno em que se lança o trágico casal de "Vermelho Sangue".
(IA)

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