São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 1997
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Fotógrafo é escultor de ritos e mitos

EDER CHIODETTO
EDITOR-ADJUNTO DE FOTOGRAFIA

Mario Cravo Neto não fotografa, ritualiza esculturas. Ou esculpe ritos, como queiram.
Ao fotografar seus eleitos, esvazia o ego do retrato para lhe acrescentar uma aura mítica, que oscila entre o diabólico e o cândido.
Seu ato fotográfico é, portanto, marcado pela inversão da lógica fotográfica. Sua câmera não fica passiva, registrando a luz emitida pelo modelo. Em Cravo Neto, é a máquina/olho quem se projeta sobre o retratado, apregoando sentidos e metáforas.
Ou seja, não é o modelo que se faz imprimir no filme fotográfico, mas o filme que se projeta sobre o modelo.
Assim, o fotógrafo consegue criar, em seu estúdio/terreiro, imagens dúbias que remetem à religiosidade e à devassidão. Tensão mais que precisa para retratar o país chamado Bahia, do qual ele é filho legítimo.
Legítima, também, é a herança pictórica que seu pai, o escultor Mario Cravo Júnior, lhe deixou. É errado afirmar que Mario Cravo, o filho, trocou a escultura pela fotografia.
Na verdade, ele realiza uma amálgama das duas linguagens. Ao fotografar as pessoas em um fundo neutro, numa certa situação de luminosidade e caracterizadas como personagens que encarnam um outro, esses retratos deixam de ser alguém para se tornarem objetos, esculturas.
Essa fotografia, que ele chama de fotografia escultórica, pode ser vista como resultante de duas influências claras em sua obra. A herança do pai e a convivência com Pierre Verger, fotógrafo e etnólogo francês, filho de Xangô, que viveu 50 anos na Bahia e morreu no ano passado.
Claro que, em se tratando de herança cultural e de artistas que viveram e vivem numa certa região afro-americana abaixo do Equador, essa resultante não poderia ser cartesiana. A escultura de Mario Cravo, o pai, e as fotos de Verger, o guru, surgem no trabalho de Cravo Neto num intrincado jogo de sincretismos. É um pouco de tudo isso, mas não se parece com nada do que foi feito pelos mestres. É referência, não citação.

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