São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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Transporte coletivo

WILSON MACIEL RAMOS

Às vésperas da implantação do novo rodízio na cidade de São Paulo, editoriais de emissoras de rádio e de alguns jornais atacaram a idéia, alegando sua inconstitucionalidade por ferir dois direitos: o de ir e vir e o de propriedade.
Também consideravam inadmissível que, a pretexto de resolver os problemas do trânsito da cidade, principalmente nos horários de pico, uma vez por semana 20% da frota deixasse de circular.
Em vez disso, segundo esses editoriais, as autoridades deveriam se preocupar em formular uma política urbana que privilegiasse o transporte coletivo, integrando os vários modos e pondo ordem no caos. É quase certo que, se isso acontecer, a população terá garantido também o direito ao trabalho, pois poderá se locomover melhor.
Afinal, há vários anos as empresas de ônibus vêm clamando em favor de uma política de transporte público que racionalize a utilização dos meios à disposição da população. O ideal teria sido que a questão avançasse além dos limites da cidade de São Paulo, contemplando a integração das redes municipal e metropolitana.
Como essa perspectiva era cada vez mais remota, as empresas insistiram, sempre que possível, em priorizar o transporte coletivo, com a construção de corredores, faixas exclusivas etc., que permitiriam aumentar a velocidade média, o conforto, a segurança e a comodidade dos cerca de 5,5 milhões de clientes/dia que transportam.
As empresas de ônibus vêm fazendo a sua parte: modernizaram sua administração, instituíram programas de qualidade, algumas conquistaram o cobiçado certificado ISO 9000, renovaram frotas, criaram cursos para os funcionários e se esforçam para se integrar às comunidades que atendem.
Só não ousaram mais na elaboração de planos e projetos para mudar o modelo operacional em vigor devido às restrições impostas pelo sistema de exploração do transporte público, que tornam as empresas simples executoras das ordens do poder público.
O povo precisa saber, de uma vez por todas, que o sistema de transporte coletivo em vigor é fruto da vontade política do governo municipal e que as empresas de ônibus não podem fazer nada além de obedecer e cumprir cegamente.
Mesmo que desejem, elas não podem oferecer transporte diferenciado para reconquistar a parte da clientela que lhe foi tomada pelas vans e peruas, que estão a ponto de desorganizar completamente o sistema de transporte coletivo por ônibus de São Paulo.
A prefeitura que se baseia numa lei restritiva para impedir as empresas de propor serviços adequados aos anseios dos clientes é a mesma que permite que peruas se multipliquem sem pedir licença e sem lei, disputando passageiros de forma selvagem e predatória.
A prefeitura que institui o rodízio para tirar carros das ruas é a mesma que admite mais e maiores congestionamentos, pois não se incomoda com o fato de oito vans ocuparem o mesmo espaço de um ônibus para transportar igual número de passageiros.
E é sempre assim. Quando há alguma greve dos trabalhadores do setor -como recentemente, quando a prefeitura disse não ter dinheiro para pagar por serviços prestados-, o povo é a vítima.
No dia seguinte, a foto clássica dos jornais: magotes de gente se locomovendo pelas avenidas, acrescentando ao cansaço diário aquele de caminhar. Caminhar para exercer o direito ao trabalho e sem saber a quem atribuir a culpa.

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