São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 1997
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Mesmo "moderno", Lulu continua hitmaker

PAULO VIEIRA
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Depois de "Quanta", de Gil, é a vez de Lulu Pragana Santos mergulhar num mundo povoado por estrelas visíveis depois de mortas, objetos que trocam o repouso pelo movimento, hologramas, tempo/espaço -para parafraseá-lo.
É esse o temário principal de "Liga Lá". Se for para citar um único argumento em seu favor, o que faz de Pragana um artista de importância no pop nacional é o espaço que sempre encontra no rádio, disco após disco, o que lhe justifica a alcunha de hitmaker.
(André Midani, então presidente da Warner brasileira e hoje executivo da matriz americana, disse, quando do expurgo de Leoni do Kid Abelha, que este seria também um hitmaker -a assertiva era para estimular seus subordinados; como se viu, o Heróis da Resistência foi um fiasco).
Tudo isso para dizer que, a despeito do temário etéreo e da conversa mole sobre tecnologia que cercou o lançamento deste disco, Pragana produziu outra vez em "Liga Lá" uma sequência de candidatas óbvias a hit.
Há "Eu Sou Outro Você", que é uma daquelas baladas típicas de Lulu, com bateria convencional, guitarra dobrada, vocal pausado e refrão escondido num verso.
Tem ainda "Creio", uma baba pesada com aqueles riffs pegajosos de guitarra (aqui um violão metalizado).
"Tempo/Espaço", a faixa que Pragana gravou com o arranjador-hero da Tropicália, Rogério Duprat -e com orquestra de 12 cordas e 15 sopros, tem também letra e interpretação fortemente comerciais. Talvez não dê para carregar a parafernália e o violista Marcelo Jaffé ao Faustão ou à Xuxa, mas isso já não é coisa de jogar sal nas moleiras do artista.
Os loops e toda a programação de computador, que conferiria ao disco a classificação de "tecno", "drum and bass", ficam, assim, eclipsados pela veia comercial de Pragana. Lulu, estrategicamente, deixou para ligar os computadores em regravações. São muitas: "Fé Cega, Faca Amolada" (Milton/Ronaldo Bastos), "Dê um Rolê" (Novos Baianos), "Vôo de Coração" (Ritchie/Vilhena), "Chico Brito" (Wilson Batista/Afonso Teixeira) e "Ando Meio Desligado" (Mutantes).
Mas, apesar de usar timbres diferentes, batidas muito mais rápidas que as originais e vocais esquisitos, Pragana não alterou a melodia das composições. Isso fica claro em "Fé Cega", notório em "Dê um Rolê" e claríssimo em "Chico Brito" -compare com a versão de Paulinho da Viola que abre "Zumbido".
Tudo parece mais uma gozação de Pragana com a sedução da mídia pelos "novos sons". Se é isso, cumpre bem a meta, até pela programação gráfica, com detalhes de fios de telefone e condutores tendendo ao abstrato, e pelo evidente deboche na seleção de "Ando Meio Desligado" (os vocais de Rita Lee reproduzidos em vocoder).
Enquanto isso, Pragana vai dando seus recados românticos ("Adoraria significar tudo para você"), funde com maestria romantismo com física ("Olha meu bem o céu/ vê quanta luz, quanta estrela/ quase todas mortas"), canta em espanhol involuntariamente caricato uma de Charly Garcia e encontra espaço até para regenerar sua ex-mulher, Scarlet Moon, que recita excerto de Drummond em "Dê um Rolê".
Talvez a faixa que acabe por sintetizar (ops) o CD é justamente a que mais se distancia dessa conversa tecnológica. A instrumental "Quetzalcoatl" começa com efeitos de teclado, mas evolui para um jazz-funk com guitarra acústica e saxofone. Ao que consta, foi gestada em Nova Iguaçu.

Disco: Liga Lá
Artista: Lulu Santos
Lançamento: BMG
Quanto: R$ 18 (em média)

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