São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997
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O receio que vem da Ásia

CELSO PINTO

A queda de 10,4%, ontem, na bolsa de Hong Kong provocou fortes quedas nas bolsas em todo o mundo e nas moedas asiáticas, e subiu em um degrau a preocupação com a crise na Ásia. Se o sistema monetário de Hong Kong entrar em colapso, a China pode ser afetada e as repercussões internacionais serão ampliadas.
Os quatro "novos tigres" mais afetados até agora, Tailândia, Indonésia, Filipinas e Malásia, tem um PIB que, somado, não chega a 80% do Brasil. Já Hong Kong e China, juntos, equivalem a 1,2 vez o tamanho da economia brasileira.
O Brasil foi o país mais afetado ontem, entre os principais países latino-americanos, com uma queda de 8,15% na bolsa. O agravamento da crise asiática voltou a gerar preocupação com moedas de países mais vulneráveis na área externa. Depois de algumas semanas de trégua, voltou o nervosismo ao mercado.
"O grande medo é que Hong Kong não consiga defender sua moeda e que o problema possa chegar à China", analisa Armínio Fraga, ex-diretor do Banco Central, hoje importante executivo do megainvestidor George Soros, em Nova York. "Se isso acontecer, as consequências para a economia mundial serão relevantes", diz.
Neste caso, a seu ver, haveria um impacto recessivo, deflacionista. Economias asiáticas importantes, em recessão, gerariam excedentes exportáveis. Além disso, credores europeus, americanos e japoneses seriam afetados.
Desde outubro de 83 Hong Kong opera num sistema de "currency board" idêntico ao da Argentina, ou seja, câmbio fixo e conversibilidade total com o dólar. Até agora, apesar da crise no Sudeste Asiático, esse sistema era considerado inexpugnável. Hoje, há dúvidas.
Não faltam reservas em Hong Kong (US$ 80 bilhões), muito menos na China (US$ 120 bilhões), nem há um déficit externo expressivo. O que existe é a dúvida se Hong Kong poderá resistir depois que os outros países da região desvalorizaram suas moedas em até 50%.
Outros países de peso da região (os "velhos tigres"), como Taiwan, Cingapura e Coréia, já deixaram suas moedas desvalorizarem, em maior ou menor escala. "O problema é que, se Hong Kong sucumbir, não será uma desvalorização ordenada", diz Fraga. Ele não acha que o colapso é inevitável. As próximas semanas e meses darão a dimensão do problema.
Fraga acha que a Argentina, por ter um sistema idêntico ao de Hong Kong, tende a ser mais afetada na América Latina. O diretor de um banco de investimentos americano em Nova York discorda: ele acha que o Brasil será o mais afetado. O real voltou a ser observado com atenção e, a seu ver, se houver desvalorização em Hong Kong a moeda brasileira poderá ser atacada.
Fraga é bem mais otimista. Acha que o risco para o Brasil é limitado. "Mas não há espaço para nenhuma displicência daqui até o final do ano que vem", alerta. "É importantíssimo manter o conservadorismo fiscal e até comprar um seguro superando as metas fiscais".
Ele aposta que o gradualismo brasileiro vai dar certo, mas lembra que é preciso confirmar a direção correta o tempo todo. "O Brasil vive de tendência, não de resultados imediatos", observa. "Está indo muito bem, mas não está livre de riscos".
Hong Kong vive problemas parecidos com o resto da região: um longo período de euforia que gerou uma sobrevalorização nos preços, excesso de crescimento e investimentos com baixo retorno. Uma área delicada é a imobiliária. O JP Morgan fez um estudo sobre os preços imobiliários na Ásia e concluiu que há uma sobrevalorização generalizada que, no caso de Hong Kong, chega a 50% do valor atual.
O Japão viveu um problema semelhante e mergulhou em anos de recessão e crise no sistema bancário. Como os bancos emprestaram demais para o setor, quando os preços caem, eles exigem repagamento, o que leva à venda de imóveis e a uma maior queda nos preços. O que se teme é que um círculo vicioso como esse atinja vários países, inclusive Hong Kong.
A fraqueza implícita no sistema bancário, por sua vez, reduz as chances de defesa da moeda, com observa o banqueiro de Nova York. Numa situação desse tipo, não dá para manter juros altos muito tempo.
Pode não haver um colapso e os mercados voltarem a se acalmar. O que parece mais claro, contudo, é que a crise asiática pode ser muito mais ampla e longa do que se imaginava.
A recuperação também será mais complicada. O México voltou a crescer um ano e meio depois do colapso de dezembro de 94. Teve a seu favor, contudo, a força da economia americana e o acordo de livre comércio com os EUA, o que permitiu dobrar as exportações em três anos. O país líder da Ásia, o Japão, ao contrário, continua patinando próximo da recessão.

E-mail: CellPinto@uol.com.br

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