São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997
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Controle do déficit público: sucesso ou fracasso?

MAILSON DA NÓBREGA

O governo divulgou ontem uma nova melhora na situação fiscal. Pelo critério operacional, nos últimos 12 meses o déficit continua caindo e já está abaixo de 3% do PIB. Esse desempenho é um sucesso se considerarmos que o déficit havia chegado a 4,8% do PIB em 1995.
Se levarmos em conta, todavia, que FHC recebeu um superávit operacional de 1,3% do PIB, que ao final do mandato ter-se-á transformado em déficit, o fracasso é inquestionável, principalmente porque o ajuste fiscal é crucial para consolidar a estabilidade econômica.
A deterioração tem pelo menos duas explicações: o aumento substancial dos juros e as despesas de pessoal. A subida dos juros foi uma reação natural à ameaça que a crise mexicana havia trazido para a estabilidade da economia brasileira.
O aumento nas despesas de pessoal aconteceu nos Estados e no governo federal. Neste, as causas foram os reajustes concedidos pelo governo anterior e a reposição das chamadas "perdas inflacionárias" do primeiro ano do Plano Real, negociada com o Congresso.
Nos Estados, o aumento veio da tradição de conceder vantagens salariais no início do governo. Desta vez, ao contrário do que acontecia no passado, não havia inflação para reduzir o valor real do benefício.
Há quem afirme que o ajuste fiscal não ocorreu porque FHC concentrou seus esforços no projeto de reeleição, descuidando das reformas estruturais. A tese é, a meu ver, equivocada.
Outra corrente, com a qual concordo, sustenta que o ajuste fiscal não aconteceu porque faltaram boa preparação para os projetos de reforma e adequada estratégia para sua negociação.
É difícil, para muitos, entender por que o líder político responsável pela conquista da estabilização não conseguiu reeditar o êxito em uma área essencial à sua consolidação: as reformas estruturais no campo fiscal.
Na realidade, o plano é obra de uma equipe pequena, coesa e homogênea, que operou sobre uma excelente base de recursos humanos permanentes, instrumentos de ação e informações essenciais: o Ministério da Fazenda e o Banco Central.
Esse conjunto favorável de circunstâncias não existia no caso das reformas, com a notável exceção das relativas à ordem econômica. A equipe era heterogênea, os ministros foram escolhidos às vésperas da posse e alguns de seus auxiliares chegaram ao governo muito depois.
Os que se integraram ao governo a partir de 1995 não dispunham de informações nem de burocracia como as da equipe do Plano Real. Por exemplo, só recentemente o governo federal passou a deter informações satisfatórias sobre a estrutura da despesa de pessoal.
Além disso, o governo subestimou as dificuldades políticas e a força dos grupos de interesse contrários às mudanças. Tampouco é claro se havia uma estratégia para conduzir as reformas. Era como se elas fossem tão naturais quanto a vitória eleitoral.
A situação não deixa de inquietar, pois o declínio do déficit público a partir de 1996 resultou de fatores temporários: queda dos juros, privatização, congelamento de salários do funcionalismo e arrecadação da CPMF. Sem reformas, o déficit voltará a crescer.
Felizmente, o tempo é favorável a FHC. A privatização pode fornecer o fôlego necessário até a chegada do ajuste. No governo federal, as receitas do programa devem ultrapassar com folga os R$ 15 bilhões estimados no Orçamento para o próximo exercício.
Se confirmadas as estimativas do ministro Kandir, os governos estaduais obteriam quase a mesma receita em 1998, o que também é positivo, ainda que parte dela se destine a novos gastos.
A velocidade e os resultados do processo de privatização são, portanto, melhores do que se supunha. Na travessia, o espaço entre as margens do rio tem-se revelado maior do que se imaginava, mas a ponte é também mais extensa.
Manter o vigor exibido na privatização tornou-se, assim, muito mais importante do que no passado. Afora isso, os agentes econômicos devem ser convencidos de que, em um segundo mandato, FHC não fracassará no ajuste fiscal.
É certo que os problemas fiscais não serão resolvidos no atual governo, mesmo que sejam aprovadas as reformas previdenciária e administrativa. O desafio para o futuro será, pois, criar uma nova estratégia para suplantar as deficiências na condução, até aqui, das reformas estruturais.
A designação de André Lara Resende como assessor presidencial incumbido de pensar saídas para as questões de longo prazo é um bom sinal. O presidente deve saber que o sucesso de um segundo mandato depende em grande parte de sua capacidade de promover o ajuste fiscal.

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