São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997 |
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Dupla se move entre escatologias
ELISABETH LEBOVICI
Gilbert & George é essa entidade auto-suficiente, essa família de definição não muito simples: esculturas vivas, maridos, amantes, amigos, irmãos, tudo junto? Eles se declaram politicamente conservadores, mas ao mesmo tempo afirmam a predileção por temas heterodoxos, como homossexualidade, mijo, merda. * Pergunta - Para começar, uma questão bastante material. Como vocês fabricam suas imagens? Gilbert - Nunca é muito claro, nem consciente. Nós tiramos fotos, reunimos negativos: pessoas, flores, imagens do céu, pouco importa. Nós não planejamos nada conscientemente e esperamos as imagens, que elas nos transformem também. Por exemplo: a gente se interessa por uma gota de água, depois pelo fato de que somos feitos de água, de mijo e de merda. Um dia compramos um microscópio e ficamos chocados com o que vimos. George - Excitados, eu diria. Com o microscópio queríamos apenas obter a imagem de corte de um líquido e depois colori-la: vermelho para o sangue, amarelo para o mijo. E depois, para ser sincero, nós tentamos com uma gota de mijo em vez de água e, após algumas horas, nós obtivemos grafismos espantosos. E inéditos. Depois perguntamos aos profissionais da área: "Por que existem formas de crucifixo no mijo? Por que o sangue se parece com uma escritura islâmica?". Ninguém soube responder. Gilbert - Nós acreditamos ter descoberto a dimensão moral de uma pessoa nesses microdesenhos. O grande debate religioso não é a localização da alma? Pergunta - Quando vocês deixaram de ser esculturas vivas? Gilbert - Acreditamos que toda a nossa arte está fundamentada na idéia de escultura viva, que somos o centro de cada imagem. George - Mas nós achamos a forma da escultura viva, apesar de limitada, muito democrática, não aliena ninguém, não chateia as crianças, agrada aos velhos. Com uma imagem podemos exprimir visualmente o que quisermos. Por exemplo: nos tornarmos bem pequenos e o cocô bem grande. Podemos variar os planos de expressão. Gilbert - Começamos a ser artistas em 1968 e já experimentamos muitas coisas. Peças "live", remessas postais, esculturas de revistas. George - A mais conhecida de todas foi o concurso de defecação para a revista "Studio International", que por sinal foi censurado. Gilbert - O método ideal para ter êxito com uma grande imagem não existia, precisávamos encontrar uma linguagem e começamos a reunir e compor com pequenas fotos. Daí não paramos mais. Com essa fórmula podemos dizer o que quisermos e tornar claro o fato de que hoje elas funcionam. George - No museu, seja de bronze, mármore ou arte tribal africana, um nu é uma ficção. Mas se você apresenta três homens feitos a partir de negativos de fotografia é muito mais chocante. Pergunta - Frequentemente encontramos insultos em suas imagens. A palavra "queer" (veado), por exemplo, frequentemente utilizada pela comunidade homossexual. Gilbert - Toda a nossa arte é baseada na humilhação frente ao público. Como o fato de nos chamarmos de "merda" e "imbecil". Desde 1969 nós nos humilhamos, nos denegrimos. Hoje aparecemos em fotos como homens de 50 anos, completamente nus, ao lado de cocôs superdimensionados. George - É a definição de obscenidade para a lei norte-americana: nudez e excremento. Gilbert -Nós não queremos simplesmente chocar, queremos tornar normal, tornar aceitável, o inaceitável. E fazê-lo com humanidade. George - Creio que a verdadeira questão, quando se fizer a retrospectiva do século 20, será a de se perguntar: "O que é um indivíduo?" Pergunta - Um indivíduo sexuado também. George - É também a grande questão do século. Aliás nós não acreditamos na dicotomia convencional homo/hetero, nem na dicotomia masculino/feminino. Certamente deve haver outros modos de ver as coisas. Gilbert - George é um grande colecionador de livros sexuais, homossexuais. Diga-lhe o que você está lendo atualmente. George - Um livro de Ann Stuart. É a primeira interpretação filosófica universitária sobre a ligação entre humanismo e sodomia na civilização moderna. Pergunta - Vocês são britânicos? George - Nós sempre tivemos esse problema. Nós sempre quisemos viver na Grã-Bretanha e ser famosos. E sempre nos perguntam: "Em que medida se é inglês?" Gilbert - Nós nos definimos como conservadores anarquistas. Nós gostamos da anarquia, mas continuamos conservadores. George - Mas por que querem que sejamos tão ingleses? Uma cruz não é inglesa, uma flor não é inglesa? Não há nada especificamente ligado ao contexto britânico. Nossos trajes? São trajes de políticos, de executivos de qualquer parte. Pergunta - Vocês se vêem como políticos? Gilbert - Nós somos subversivos. Texto Anterior: CLIPE Próximo Texto: Joel Pizzini revê as "estações" de Oswald Índice |
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