São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997
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Joel Pizzini revê as "estações" de Oswald

EDILAMAR GALVÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O cineasta Joel Pizzini, 36, partiu de Oswald de Andrade para criar "Travelling", filme-instalação que apresentará no Arte/Cidade 3, projeto de intervenção urbana que acontece a partir de amanhã na cidade, com trabalhos de 37 artistas.
Os trabalhos serão apresentados nas antigas indústrias Matarazzo e no Moinho Central, dois complexos arquitetônicos em ruínas na cidade, e cobrirão um trecho de cinco quilômetros de estradas de ferro da cidade, entre a Estação da Luz e o bairro da Água Branca.
Pizzini retirou o título do trabalho de um dos recursos-símbolo do cinema. "Travelling" é um olhar sobre trilhos. Todas as imagens foram feitas nas antigas indústrias Matarazzo, onde o filme será apresentado.
A idéia partiu do poema "As Quatro Gares", de Oswald de Andrade, e retomou um procedimento do artista, de recriar a linguagem cinematográfica a partir da poesia, como acontece em "Caramujo-Flor". O poema de Oswald trata de quatro "estações": a infância, a adolescência, a maturidade e a velhice.
O que Pizzini toma emprestado aqui não é exatamente o tema, mas a qualidade do olhar. "Travelling" também tem quatro partes, de quatro minutos cada uma, que tentam captar a forma do olhar nessas quatro estações da vida. Tudo isso sempre a partir de um deslocamento do ver, que descobre e amplia as possibilidades de um mesmo espaço.
Na parte "Infância", a imagem concentra-se no microcosmo, no detalhe, na textura de pedaços de um lugar que não pode ser absorvido em conjunto. Em "Adolescência", proliferam as imagens fálicas, e a câmera passa a procurar o deslocamento do ponto de observação. É possível ver de fora. A luminosidade se intensifica para depois começar a entardecer.
Chega "Maturidade" e a câmera se distancia. A perda de referência no espaço é ironizada no jogo longe/perto. É aqui que imagens de aprisionamento, já sugeridas no quadro anterior, ocupam o primeiro plano. Esses olhares se misturam no último quadro, "Velhice", que lança um olhar contemporâneo sobre as ruínas das indústrias. Cenas diversas, como a de roupas brancas no varal, criam um jogo de memória e esquecimento.
Essas observações correm o risco de tornar as coisas mais simples do que são. A diferença entre os olhares não é estanque, e imagens se repetem nos quatro quadros, chamando a atenção para a fotografia do filme, sob a direção de Jacó Soletrenik. A mecânica de projeção é particular.
As quatro partes serão transmitidas simultaneamente por um projetor mecânico de 16 mm, numa sala escura, em quatro telas, divididas entre duas paredes, sugerindo as janelas de um vagão de trem, explica Pizzini. As sessões serão diárias e contínuas.
A trilha sonora, de Lívio Tragtenberg, é baseada em "Take the 'A' Train", de Duke Ellington (1899-1974), e recria sonoramente o movimento do trem, quase como uma memória ininterrupta que persegue e perpassa de uma só vez os quadros do filme.
"Travelling" foi convidado para ser apresentado na Universidade de Roma. O convite partiu de Bruno Mancini, professor da área de multimeios da Universidade de Roma e editor do "Bienalle News", jornal diário do Festival de Veneza.
Um dos primeiros trabalhos de Pizzini, o curta "Caramujo-Flor", foi sucesso de crítica, e o último, "O Enigma de Um Dia", foi premiado no Festival de Gramado e indicado na Competição Oficial da 54ª Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza, que aconteceu em setembro deste ano.
Pizzini está trabalhando no longa "A Invenção de Limite", segundo ele, "um making-of de ficção" sobre os bastidores da realização do filme "Limite", de Mário Peixoto (1908-1992).
Em pré-produção está "500 Almas", documentário sobre o que restou da cultura dos índios Guatós, do Mato Grosso.

Evento: Arte/Cidade 3 (projeto de intervenção urbana)
Onde: trajeto entre a estação da Luz e as antigas indústrias Francisco Matarazzo, com entradas pelos dois locais
Quando: de amanhã a 30 de novembro; de terça a domingo, das 12h às 21h Quanto: entrada franca

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