São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997
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Literatura perde terreno em Frankfurt

JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT

A 49ª Feira do Livro de Frankfurt, que terminou segunda-feira, deixou claras algumas tendências recentes do mercado editorial.
Em primeiro lugar, um declínio -ainda que pequeno- das duas grandes potências editoriais do Ocidente, EUA e Alemanha. O número de expositores norte-americanos na feira caiu de 819, em 1996, para 793, neste ano. O de alemães caiu de 2.539 para 2.507.
Em compensação, cresceu espetacularmente a representação do Leste Europeu: países da antiga "cortina de ferro" tiveram 689 expositores, 176 a mais que em 96.
No total da feira, o número de expositores subiu de 9.236 para 9.544 entre 96 e 97.
Para além dos números, existe um contraste entre a Feira de Frankfurt que aparece na mídia, com suas celebridades e best sellers, seu charme e seu prestígio, e o gigantesco balcão de negócios que ocupa durante seis dias os 184 mil metros quadrados do evento.
Esse comércio editorial tem, por seu turno, dois compartimentos cada vez mais estanques.
Por um lado, há o terra-a-terra das negociações de direitos de obras de referência, dicionários, livros técnicos, didáticos, infantis, fascículos, CD-ROMs etc.
Esse mercado silencioso, que não aparece na mídia e é feito de incontáveis minúsculos negócios, é o que na verdade sustenta os números astronômicos da feira.
Mundo da fantasia
A esse mundo comercialmente consistente e realista sobrepõe-se o universo quase fictício das negociações dos livros que vão aparecer dali a pouco nas vitrines das livrarias, os "trade books", na linguagem dos editores e agentes.
Estamos no puro terreno da fantasia, mesmo quando os livros negociados são de não-ficção. Aqui compra-se gato por lebre, negociam-se livros que nem chegaram a ser escritos, joga-se o verde para colher o maduro.
Um exemplo da última feira: um agente internacional tentou vender caro os direitos de uma suposta autobiografia de Fidel Castro, que segundo ele seria feita a partir de depoimentos do líder cubano a um jornalista americano.
Pressionado pelos potenciais compradores a mostrar alguma evidência mais consistente da existência da obra, o agente mostrou um xerox do visto de entrada do tal jornalista em Cuba.
Nesse contexto impalpável, propício a picaretagens e piratarias, quem acaba perdendo terreno são as obras cujo principal valor está na qualidade literária.
As tendências que mais cresceram foram a dos livros em torno de temas curiosos -como os best sellers de divulgação científica "Longitude", de Dava Sobel, e "O Último Teorema de Fermat", de Simon Singh- e a da ficção de coloração étnica ou exótica, de que o exemplo maior é o romance "O Deus das Pequenas Coisas", da indiana Arundhati Roy.
Os autores brasileiros de maior sucesso na feira refletem a prevalência de critérios extraliterários.
Paulo Coelho confirmou o triunfo mundial de seu esoterismo "prêt-à-porter". O estreante Paulo Lins teve vendidos para os EUA, Inglaterra, França e Itália os direitos de seu "Cidade de Deus", sobre a criminalidade no Rio.
País-tema deste ano, Portugal mostrou ao mundo pelo menos 20 autores de primeira linha. E os alemães mostraram que ainda são os maiores consumidores de livros estrangeiros de qualidade.
É mais fácil encontrar uma obra de Lobo Antunes, Almeida Faria, Pedro Támen ou Agustina Bessa-Luís numa livraria alemã do que numa brasileira. Azar nosso.

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