São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997 |
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Savall faz jogo de espelhos barroco com maneiristas
MARCELO MUSA CAVALLARI
À frente de seus conjuntos, o catalão Jordi Savall pôs a platéia do teatro Cultura Artística diante de um jogo de espelhos que faria a delícia de uma mentalidade barroca. Um grupo de músicos tentando reviver a forma de interpretação da música dos maneiristas, que tentavam reviver a glória da primeira renascença, que tentava reviver o mundo clássico. Nessa série de esforços para vencer a finitude, que se sabe inexorável, não é de estranhar que os dois "Lamentos" executados pelos dois conjuntos espanhóis fossem tão marcantes. Lamentar é a suprema expressão da alma maneirista. O "Lamento della Ninfa", de Claudio Monteverdi (1567-1643), foi o ponto alto da noite. Monteverdi encarna como ninguém o espírito dessa época que perdeu o otimismo juvenil da Renascença. Sua música sempre se apresenta como cena. Sua retórica sempre lança mão da narrativa. É uma música em "trompe l'oeil". De quem já se sabe fingindo uma luminosidade e uma harmonia em que já não crê. No "Lamento d'Orfeo", de Luigi Rossi (1798-1653), é Orfeu que lamenta a perda de sua Eurídice, morta no dia das núpcias, tentando arrancá-la, à força de sua música, do inferno. Mas é o compositor, ele também, que canta a sabida impotência de sua música. E nós, ouvindo violas da gamba, tiorbas e cravos arrancados da extinção por um esforço de reconstituição de época, escutamos o verso "Son le gioie per noi tutte smarrite" (As alegrias todas estão perdidas para nós). É claro que a parte mais alegre do programa, incluindo as danças do bis, agradam muito à platéia. A popularidade de Savall -um superstar das vendas, no meio de música antiga- é visível no entusiasmo com que a platéia aplaudia. Alguns até davam gritinhos. Savall é um instrumentista como poucos e arranca das violas da gamba uma expressividade surpreendente. Sem perder a rudeza de madeira do instrumento. O Hesperion XX -o grupo instrumental- apresenta uma coesão maior do que a Capella Reial. Montserrat Figueras brilha como solista. O tenor Francesc Garrigosa e o baixo Daniele Carnovich saem-se bem. O contratenor Carlos Mena deixa a desejar em maleabilidade da voz e expressividade. No "Lamento della Ninfa", na "Sulla Cetra Amorosa", de Tarquinio Merula (1594-1655), Montserrat consegue emprestar uma expressividade cênica de câmara, digamos assim. Uma expressão que se afasta da do drama operístico, assim como a própria técnica vocal que o repertório exige é radicalmente diferente da empostação lírica. Texto Anterior: Pickett mostra obra de Monteverdi Próximo Texto: Metropolitan recebe Rita Lee e Beto Guedes Índice |
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