São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997
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Abstenção ameaça pleito na Argélia

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ARGEL

A alta abstenção e as denúncias de irregularidades na eleição local de ontem na Argélia colocaram em risco o plano do presidente Liamine Zeroual de legitimar seu poder junto à comunidade internacional e superar a oposição interna.
Não houve nenhum incidente mais grave durante as eleições até o fechamento das urnas, às 20h locais (17h em Brasília).
Segundo dados do Comitê Internacional de Imprensa, citando fontes do Ministério do Interior, às 19h (16h em Brasília) o comparecimento chegava aos 55,87%.
A abstenção, de 44,13%, é a maior da curta história eleitoral argelina, que só conheceu o multipartidarismo em 1989. As eleições de 1990 e 1991, que colocaram a FIS (Frente Islâmica de Salvação) como principal partido do país, tiveram índices de comparecimento superiores a 90%.
Paradoxalmente, esse respaldo popular levou ao temor da instalação de uma república islâmica nos moldes iranianos e resultou no golpe de janeiro de 1992 -quando os militares cancelaram o segundo turno das eleições legislativas.
Zeroual chegou indicado ao poder em 1994 e promoveu, desde então, três eleições para tentar legitimar sua posição.
A primeira, para presidente em 1995, teve 75% de comparecimento. A segunda, parlamentar realizada há quatro meses, teve 65%. A Argélia tem 16 milhões de eleitores -entre 29 milhões de habitantes.
Agora, com o fracasso das eleições para 15 mil representantes em cidades e Províncias, Zeroual está novamente na berlinda.
As eleições anteriores já haviam sido acusadas de fraudulentas por adversários e observadores internacionais. Ontem, pelo menos dois partidos de oposição denunciaram manipulação na votação.
O primeiro foi a FLN (Frente de Libertação Nacional). No colégio de Oud Koriche, zona oeste de Argel, um delegado da FLN disse à Folha que havia visto votos prontos sendo colocados por mesários numa urna.
"Fraude, é fraude", afirmou Rachid Mochi, 37, às 11h40. O chefe dos mesários de Oud Koriche negou a acusação.
Pouco antes, na tensa região do Casbah (zona oeste da capital), um delegado da FFS (Frente de Forças Socialistas) quase foi agredido pelos seguranças do colégio público que serviu de posto eleitoral.
Tendo sido levado para conversar em uma sala fechada, Hassim Harek disse que os eleitores de seu partido estavam sendo convencidos a votar no do presidente Zeroual, a RND (Reunião Nacional Democrática), sob ameaça de violência por parte de paramilitares.
Além das eventuais fraudes, o descontentamento popular com o governo Zeroual e suas múltiplas eleições se fez notar até em candidatos do RND. "Fica muito difícil o povo se interessar com uma votação atrás da outra", afirmou à Folha Boufrah Mourad, 32, candidato no distrito de Rais Hamidou.
No colégio Ali Ammar, onde votavam as 4.710 pessoas inscritas em Rais Hamidou, apenas 140 haviam votado por volta das 14h.
As eleições foram calmas, sem nenhum ataque terrorista até seu fim. A campanha eleitoral, por sua vez, foi tão ou mais calma. Não houve comícios e a panfletagem com cartazes contendo os candidatos de cada distrito havia acabado na segunda-feira.

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