São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997
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Entenda a estrutura política, que repete sistema de clãs

IGOR GIELOW
DO ENVIADO ESPECIAL

A disputa pelo poder na Argélia repete a estrutura de clãs que está infiltrada na sociedade do país por meio da cultura berbere.
Os berberes são povos nômades do Saara que chegaram à região vindos do sudoeste da Ásia 3.000 anos antes de Cristo. No século 9º, começou o processo de islamização -os tuaregues, principal grupo berbere, se rebelaram 14 vezes até serem submetidos ao Islã.
Hoje os berberes são 17% da população argelina, vivendo principalmente em oásis e em caravanas no deserto. Têm uma estrutura tribal feudal, com divisão de classe entre senhores, vassalos, guerreiros e trabalhadores -até o século passado, mantinham escravos.
Toda essa carga cultural, analisam diplomatas ocidentais e jornalistas argelinos ouvidos pela Folha, ajuda a explicar o choque entre as classes pelo poder na Argélia.
Os clãs
Há três clãs, usando uma classificação de afinidade cultural, econômica, política e regional.
O primeiro é o do presidente Liamine Zeroual, que apoiou o golpe de 1992, foi indicado presidente em 1994 e se confirmou no cargo com eleições em 1995.
Seu grupo compreende ele, o conselheiro Mohammed Betchine e Taidb Derradji, chefe da Gendarmerie (polícia militarizada). Eles são os responsáveis pela tentativa de Zeroual de se aproximar do Ocidente por meio de uma suposta redemocratização do país.
Só que as sucessivas eleições (a de ontem foi a segunda em menos de seis meses) são friamente recebidas pela população e vistas com desconfiança pela comunidade internacional e pela oposição -uma vez que até aqui vêm apenas confirmando o poder do recém-criado partido de Zeroual, o RND.
Também são os responsáveis pela libertação de líderes da FIS em junho passado, num ato de reaproximação que levou ao abrandamento do discurso e a radicalização por parte de facções fundamentalistas como o GIA.
Outro clã é o ligado ao chefe do Estado-Maior do Exército, Mohammed Lamari, que tem Smain Lamari (não é parente), o chefe das tropas de elite, como seu homem de confiança.
Eles estão com Zeroual, mas recebem forte influência de outro clã -o de Khaled Nezzar, o antecessor de Mohammed Lamari e homem de grande prestígio nas Forças Armadas.
Nezzar é ferrenho opositor do fundamentalismo e foi o cérebro por trás do golpe de 1991 contra a FIS. Defende um Estado secular, no modelo que é guardado pelos militares na Turquia desde a década de 20.
Mesmo não falando oficialmente, sabe-se em Argel que Nezzar vê com desagrado os movimentos de aproximação do presidente Zeroual com a Frente Islâmica de Salvação.
Isso o coloca em oposição a outro membro de seu clã, o "todo-poderoso" Mohammed Medienne -mais conhecido como Toufik. Ele chefia todo o serviço de segurança estatal.
Com isso, combate o terrorismo e é peça-chave da política de Zeroual, mas é também tido como certo que ele tem aspirações políticas próprias.
Por fim, fora do campo dos clãs, há o grupo contrário a todos eles: os fundamentalistas. Hoje eles estão divididos entre os que foram legalizados e são força eleitoral (como o MSP), a FIS e os radicais.
O MSP, liderado por Mahfoud Nahnah, faz duplo discurso. Fala à população mais carente com a voz do islamismo, mas tem cargos no governo Zeroual.
Já a FIS se aproxima de Zeroual, buscando garantias para retornar ao cenário político argelino. Mas seus líderes no exílio sabem que apenas uma "desislamização" pode assegurar esse retorno -o que os faz apostar também num jogo duplo, no qual sempre lembram de sua condição de vítimas no golpe de 1992.
No extremo da linha estão os radicais islâmicos, em especial o GIA. Aparentemente dominados durante as eleições, é dado como certo que eles voltarão a ser notícia com suas formas brutais de promover massacres tão logo a imprensa internacional abandone Argel.
Seus objetivos, com a separação da FIS, ficaram difusos. Matam civis para exercer uma pressão, mas não têm mais apoio na força eleitoral legítima da qual se originaram.
(IG)

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