São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 1997
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Presidencialismo participativo

FRANCO MONTORO

Acaba de ser constituída na Câmara dos Deputados a comissão especial incumbida de elaborar a emenda constitucional para a reforma do sistema de governo. Será oportuna essa reforma?
Apesar dos graves problemas que afligem a população brasileira, vivemos hoje um período de excepcional estabilidade econômica e tranquilidade institucional. Essa situação é explicável pelo acerto de medidas econômicas como o Plano Real e pelas qualidades pessoais do presidente Fernando Henrique Cardoso, que não tem usado para fins pessoais os extraordinários poderes que o atual sistema político lhe confere.
Esse é o quadro de hoje. Mas o bom senso e o interesse público nos obrigam a pensar no dia de amanhã, nos próximos anos, nos futuros presidentes.
A segurança do país e a sorte da população não podem depender das eventuais qualidades do governante. É necessária a vigência de um sistema de governo democrático, que assegure razoáveis condições de governabilidade e atendimento ao interesse público.
Não é esse o caso do presidencialismo, ou melhor, do hiperpresidencialismo brasileiro, que dá poderes extraordinários ao chefe do Executivo, sistema de poder unipessoal, concentrador de atribuições e com rigidez de mandato.
Esse presidencialismo autoritário e rígido, que marcou nossa história política, foi assim descrito por Ruy Barbosa: "O presidente da República encarna o poder dos poderes, o grande eleitor, o grande nomeador, o grande contratador, o poder do bolso, o poder dos negócios, o poder da força" (in "Parlamentarismo ou presidencialismo", Ives Gandra Martins e outros, 2ª ed. p. 86).
As consequências foram uma longa história de golpes, revoluções, deposições, renúncia e suicídio. Sem contar os acidentes da República Velha, tivemos, a partir dos anos 20, uma sequência impressionante de crises e interrupções da normalidade constitucional.
Eis os fatos. Levante tenentista de 1922. Revolução de 1924 em São Paulo, seguida da Coluna Prestes. Revolução de 1930. Revolução Constitucionalista de 1932. Golpe de Estado em 1937. Ditadura de Getúlio Vargas até 1945. Suicídio de Vargas em 1954. Renúncia de Jânio Quadros em 1961. Deposição de João Goulart em 1964. Regime militar de 1964 a 1985. Impeachment de Collor em 1992. Só um presidente civil eleito diretamente completou normalmente seu mandato: Juscelino Kubitschek.
No Brasil, a tradicional concentração de poderes do Executivo foi agravada com a Constituição de 1988, pela figura das medidas provisórias (art. 62), que podem ser adotadas "com força de lei pelo presidente da República, em caso de relevância e urgência". Elas devem ser imediatamente submetidas ao Congresso e perderão eficácia se não forem convertidas em lei no prazo de 30 dias. Mas podem ser sempre reeditadas.
Os dados sobre a matéria são alarmantes. À revelia do Congresso -constitucionalmente, o órgão competente para legislar sobre todas as matérias de competência da União- vêm sendo editadas e reeditadas milhares de MPs sobre todos os assuntos. Até 1º de outubro último, foram exatas 2.376.
A primeira MP, de número 001, no governo Sarney, saiu no dia em que a Constituição foi promulgada. Também foi a primeira a ser reeditada. Itamar é o autor da MP mais reeditada (52 vezes), a nº 327, que trata da privatização. Collor é recordista de MPs num único dia. Em 15 de março de 1990, data da posse, baixou 22 para sustentar o Plano Collor -entre elas, a que confiscava a poupança. No governo atual, foram editadas ou reeditadas 1.592 (até 8/10).
A consideração objetiva e responsável desses fatos nos obriga a procurar outros caminhos.
Fora do hiperpresidencialismo e do parlamentarismo clássico, as democracias modernas constroem sistemas de governo que substituem o poder unipessoal do presidente por formas mais democráticas, caracterizadas pela existência de um presidente eleito e um primeiro-ministro cujos gabinete e programa são aprovados pelo Parlamento. É o caso da França, de Portugal e outros países, onde se exerce o chamado presidencialismo participativo.
Pelos primeiros depoimentos de Bolívar Lamounier, Josaphat Marinho e representantes da sociedade civil e pela intervenção dos parlamentares na comissão, torna-se claro que é essa a tendência dominante entre os estudiosos do assunto e no Congresso.

André Franco Montoro, 81, é deputado federal pelo PSDB de São Paulo. Foi senador pelo MDB de São Paulo (1970-82), governador do Estado de São Paulo (1983-86) e ministro do Trabalho e Previdência Social (1961-62).

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