São Paulo, sábado, 25 de outubro de 1997
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Vocação e compulsão

SEBASTIÃO G. DE OLIVEIRA

Os estudiosos da qualidade de vida asseguram que o maior salto qualitativo que a medicina pode dar nos próximos anos será a conscientização do paciente do quanto pode fazer por si mesmo.
Esse pensamento deve ser imediatamente abraçado pelos magistrados brasileiros. A maioria rapidamente passa da vocação de julgar à compulsão de resolver um número cada vez maior de processos, tornando-se "workaholics".
Já em 1700 o médico italiano Bernardino Ramazzini anotava: "Os juízes extenuados por esforços, estudos e vigílias têm a primazia entre os hipocondríacos e aos poucos descambam para o marasmo. Todos os célebres jurisconsultos e ministros que conheci na cortes (...) são atormentados por moléstias de várias espécies, maldizendo a profissão a que se dedicaram".
Vida sedentária, jornadas prolongadas e estressantes, até mesmo nos fins-de-semana, isolamento no "escritório" doméstico, má alimentação e falta de perspectivas animadoras acompanham o juiz na luta frenética para solucionar demandas com celeridade, visando compensar o retardamento provocado pelas deficiências estruturais do Judiciário.
Essa atividade, além da tensão de situar-se no ponto terminal em que explodem as mazelas sociais, exige excessiva carga cognitiva.
O ergonomista francês Alain Wisner assevera que "a capacidade máxima de tomada de decisão do cérebro humano é baixa (de 15 bits/minuto num trabalho estável e 50 bits/minuto durante o esforço agudo). Para além desses limites, o cérebro será sobrecarregado".
Com o deslocamento da força de trabalho dos músculos para o cérebro, o juiz é vítima de um paradoxo: hiperatividade mental com atrofiamento corporal. A cabeça acelera e o corpo estaciona.
Os sinais do estresse não demoram: nervosismo, ansiedade, dores, palpitações, apatia, cansaço fácil, perturbações do sono, auto-estima e criatividade menores, comportamento anti-social etc.
A continuidade desse quadro conduz a doenças mais sérias. Da fadiga psíquica passa-se à astenia e desta à patologia, comprometendo a "sadia qualidade de vida" citada no art. 225 da Constituição.
O mais grave é que a maioria dos magistrados necessita ser abatida por um infarto para reavaliar suas prioridades de vida. Entre surpresa e arrependimento, constatam que cometiam um erro essencial: relativizando os valores prioritários e priorizando os relativos.
O juiz, que atua com denodo para corrigir as injustiças -em Belo Horizonte, cada juiz do trabalho recebe cerca de 55 processos novos por semana-, é muito displicente e injusto consigo mesmo. Não se deve esquecer de que o tempo gasto em leitura de revistas técnicas, pesquisas e reciclagem integra sua atividade normal e deveria ser contado na duração da jornada.
A grande maioria dos juízes compromete a saúde, distancia-se da família e do meio social e consome a vida. É indispensável parar para repensar isso. Convém registrar, porém, que não adianta controlar os sintomas sem remover as causas. Vale a sábia advertência de Thais Delboni: "Descobrir que o dia possui tão-somente 24 horas, que muitas coisas não dependem exclusivamente de nós e que o cargo de Deus não está disponível são os primeiros passos para reencontrarmos a saúde e o equilíbrio".

Sebastião Geraldo de Oliveira, 40, é juiz-presidente da 16ª Junta de Conciliação e Julgamento de Belo Horizonte e coordenador do Programa de Qualidade de Vida do Magistrado da Associação dos Juízes do Trabalho da 3ª Região.

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