São Paulo, sábado, 25 de outubro de 1997
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O sacrifício inútil

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Recebo no mesmo dia duas cartas de leitores, uma de São Paulo, outra de Recife, cobrando-me uma crônica sobre os 30 anos da morte de Che Guevara. Em ambas, a alegação é a mesma: quase todos os cronistas se manifestaram de uma forma ou outra, meu silêncio parecia suspeito -para dizer o mínimo.
Bem, não pretendo engrossar os louvores à luta e à dignidade do Che. Por acaso, cheguei a Havana pouco depois do anúncio de sua morte, encontrei um ambiente de revolta contra Fidel. As acusações iam desde o simples abandono ao guerrilheiro à acusação pura e simples de traição. O fato é que, abandonado ou traído, Guevara estava morto.
Pessoalmente, nunca acreditei que o serviço secreto do exército boliviano tivesse condições de descobrir onde o Che estava. Ainda que a CIA tivesse ajudado, também ela boiava quando se tratava de seguir os passos de guerrilheiros catimbados.
A luta pela chamada libertação nacional (que no fundo era uma luta contra o imperialismo em sua forma pré-globalização) produziu outros mártires. Na Tricontinental, que reuniu dissidentes do comunismo internacional, Guevara e Marighela compraram uma briga de foice com antigos companheiros que preferiam seguir a linha conservadora de Moscou.
Por coincidência, pouco depois ambos cairiam numa emboscada mortal. Guevara na selva boliviana, Marighela nas ruas de São Paulo. Evidente que, no plano imediato, eles incomodavam o regime em vigor tanto na Bolívia como no Brasil. No plano histórico, também incomodavam a estratégia adotada por Moscou.
Na passagem de 1967 para 1968, Fidel leu e gravou em disco uma carta que Guevara endereçara a ele. Uma carta de despedida que, no fundo, era também um rompimento. Muitos até hoje acreditam na sua falsidade. O fato é que Guevara foi morto. Sua morte criou um mito, mas não criou a liberdade pela qual deu a vida.

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