São Paulo, sábado, 25 de outubro de 1997
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Sangria dos municípios

RAUL PONT

A política autoritária do governo federal está levando os municípios brasileiros à ruína. Nem mesmo a centralização dos tempos da ditadura militar foi tão espoliadora como o atual governo neoliberal.
Um dos exemplos mais flagrantes dessa voracidade é o Fundo de Estabilização Fiscal, herdeiro do Fundo Social de Emergência, instituído por meio de emenda constitucional em 1994.
O atual FEF permite ao governo federal apropriar-se de 20% das receitas do Orçamento da União que, constitucionalmente, deveriam ser repassadas aos Estados e municípios e do mesmo percentual do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
E o pior é que essa violência fiscal ocorre justamente quando a União transfere cada vez mais encargos às prefeituras, principalmente nas áreas de saúde, assistência social e educação.
Já a "Carta de Brasília", assinada pela Frente Nacional de Prefeitos em 8 de maio de 1997, revelou a todo o país o descontentamento dos Executivos municipais e mostrou os resultados negativos do FEF nas finanças dos Estados e municípios.
Diz a carta que esse tipo de medida "coloca em risco a própria existência dos municípios brasileiros, numa tácita revogação do espírito da Constituição de 1988, que, ao valorizar o município e estimular o processo de descentralização administrativa, buscou dar aos prefeitos melhores condições de servir ao povo".
Assim, por exemplo, no Rio Grande do Sul, os prejuízos provocados pelo FEF chegaram a R$ 75 milhões em 96. Caso seja mantido o pernicioso fundo, as projeções para este ano indicam perdas da ordem de R$ 96 milhões.
Mesmo com as emendas apresentadas na Câmara, o FEF continuará subtraindo R$ 1 bilhão do conjunto dos municípios brasileiros, num quadro que se agrava com a Lei Kandir e a prática generalizada de renúncia fiscal.
Esses recursos são essenciais para a esfera administrativa municipal, que recebe mais encargos por causa da extinção de órgãos federais, como DNOS e LBA, entre outros -sem contar a absoluta ausência de política habitacional por parte do governo federal.
Mas, se esses recursos são fundamentais para as cidades, estão longe de resolver os problemas financeiros da União. Os encargos com a dívida pública e a renúncia fiscal do governo federal são os grandes responsáveis pelo desequilíbrio.
O governo federal assumiu, com o FEF, o compromisso de aplicações nos mesmos setores em que os recursos seriam retidos. Isso, porém, não aconteceu. O que se viu foi precisamente o contrário: os gastos federais nas áreas de saúde, educação, habitação, saneamento e urbanismo caíram em relação a 1994.
Entretanto, não é só em relação às administrações municipais e suas políticas públicas que o FEF causa estragos. O FAT também sofre severas perdas.
Estima-se que, em 1996, os prejuízos dos trabalhadores chegaram a R$ 1,7 bilhão, com a previsão de uma perda de R$ 2,2 bilhões para 1997. São recursos que deixam de financiar os programas de seguro-desemprego, abono salarial e geração de emprego e renda.
Trata-se, pois, de uma apropriação indevida da receita do PIS-Pasep em 20% e da apropriação integral da receita do PIS arrecadado pelas instituições financeiras.
O impacto do FEF nos recursos do FAT sofreu auditoria em 1995. Nela, o próprio Tribunal de Contas da União revela que o FAT registrou déficit naquele ano, pela primeira vez desde que foi instituído.
Em seu relatório, o TCU afirma que, "desde sua instituição, excetuando-se no último exercício (1995), a receita do FAT tem sido mais que suficiente para cobrir suas despesas: programa seguro-desemprego, abono salarial, programas de desenvolvimento econômico a cargo do BNDES, despesas operacionais e outras".
Prossegue o relatório: "No exercício de 1995, o FAT registrou pela primeira vez desde que foi instituído, em 1990, déficit primário de US$ 767,4 milhões, já que a arrecadação do PIS-Pasep repassada ao FAT, no valor de US$ 4,745 bilhões, foi inferior às despesas, que alcançaram o valor de US$ 5,513 bilhões. O crescimento das despesas foi superior ao crescimento da receita em decorrência do direcionamento de cerca de 27% da arrecadação do PIS-Pasep para a formação do FSE".
Esse é o quadro imposto pela política neoliberal do governo federal e seguido à risca no governo estadual do Rio Grande do Sul, mesmo que os Estados, tais como os municípios, sejam duramente punidos pela brutal centralização fiscal da União.
Por tudo isso, torna-se cada vez mais necessária a mobilização pela revogação do FEF. São as cidades brasileiras que estão ameaçadas e pagarão a conta.

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