São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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Brasileiro trabalha mais nos anos 90

CARLA ARANHA SCHTRUK
DA REPORTAGEM LOCAL

Os trabalhadores daqui parecem que estão indo na contramão da história. Enquanto centrais sindicais propõem a redução da jornada para criar novos postos de trabalho, o brasileiro estica o relógio, colecionando horas extras.
Pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que o comerciário trabalha hoje 48 horas semanais (dados de setembro), em média, e o trabalhador da indústria, 44 horas.
"Mas que ninguém se engane: para que essas sejam as médias, muitos ultrapassam a jornada permitida por lei", diz Antônio Prado, 39, coordenador da pesquisa.
A explicação é simples: o trabalhador não faz hora extra porque gosta ou é obrigado pelo patrão (pelo menos na maioria dos casos), mas porque o salário não está dando para pagar as contas.
Segundo a Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), o salário do trabalhador caiu 4,2% em São Paulo desde 94. "O trabalhador precisa cada vez mais do dinheiro da hora extra", diz o economista José Pastore, da USP (Universidade de São Paulo).
Comércio
No caso do comércio, são exatamente as longas jornadas em datas comemorativas que garantem um aumento na comissão.
O presidente da Confederação das Associações Comerciais do Brasil, Joaquim Fonseca Júnior, 49, confirma: "O próprio empregado está querendo fazer hora extra para ganhar mais".
É o caso do metalúrgico F.B.S, 29, que faz 32 horas extras por mês -trabalha dois sábados e dois domingos todos os meses.
"Só no aluguel vai quase a metade do salário. Tenho de alimentar duas crianças e preciso do dinheiro da hora extra." Ele tem tanto medo de perder o dinheiro que não quis se identificar.
Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que essa necessidade do trabalhador casa com a preferência das empresas em pagar hora extra -que vale 50% a mais do que a hora normal-, em vez de contratar mais pessoal. A empresa livra-se, por exemplo, de um custo adicional de 25% do valor do salário, relativo a encargos sociais.
Para Marcelo Sereno, 39, secretário nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores), o excesso de horas extras é resultado de uma infração. "As empresas aproveitam a falta de fiscalização e não pagam a hora extra."
Fiscalização
O Ministério do Trabalho dispõe de 1 fiscal para cada 1.245 empresas. Em julho e agosto deste ano, o governo multou 260 mil empresas (são 3,5 milhões no Brasil). O valor máximo da multa é R$ 3.500.
As consequências desse quadro não são animadoras. Segundo Sadi dal Rosso, 51, professor de sociologia do trabalho da Universidade de Brasília, com o excesso de carga horária (mais de duas horas extras por dia, como prevê a legislação), a produtividade tende a cair.
A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) sustenta que as horas extras não têm interferido na produtividade.
Diz que uma injeção de tecnologia nas empresas resultou em uma produtividade 45,6% maior em 97 do que em 90. A mesma tecnologia estaria permitindo o aumento da produção por meio de hora extra.

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