São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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A vivência cotidiana do pânico

RENATO SZTUTMAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Imaginar seres estranhos rondando a escuridão, andar de montanha russa ou ser ameaçado com uma arma por um assaltante foram algumas das experiências abordadas pelo último debate promovido pela série "Diálogos Impertinentes", que teve como tema o "medo".
O evento, ocorrido no último 30 de setembro no teatro do Sesc Pompéia, recebeu como convidados a psicoterapeuta e pedagoga Lisandre Castello Branco e o jornalista e escritor Caco Barcellos. A mediação do debate foi feita por Mário Sérgio Cortela, professor de teologia da PUC, e Nelson Ascher, poeta e ensaísta.
A discussão girou em torno de várias gradações do medo, desde o medo diante das situações mais corriqueiras -porém muito reveladoras, como sugere Lisandre Castello Branco- até o confronto com situações "limite", muitas vezes vivenciadas no cotidiano violento da cidade grande.
Medo do escuro
Logo no início, Lisandre confessou que, desde a infância, tem medo de escuro. Sem se surpreender com os risos da platéia, ela admitiu não ter receio algum por ter medo.
Para a psicoterapeuta, qualquer medo tem sua lógica particular. Não há como, por exemplo, convencer uma criança de que o escuro que a apavora não possa ser assustador.
"Sempre me explicavam que tudo que está no escuro está no claro. Faziam isso comigo para eu perder o medo do escuro. Nunca funcionou. Continuei tendo medo do escuro."
Aproveitando a confissão da colega, Caco Barcellos -que tinha acabado de chegar de um vôo do Rio de Janeiro- assumiu que voar de avião lhe assusta muito.
No entanto, quando questionado sobre seu trabalho de apuração de crimes entre membros da polícia militar (assunto de seu livro "Rota 66", de 1992), Barcellos disse não ter se sentido realmente ameaçado.
Para ele, as maiores vítimas da ação da PM são pessoas de baixa renda. São elas que sofrem do abuso de poder, vivendo em constante estado de medo.
O jornalista se mostrou perplexo com o quadro de impunidade que assola o Brasil. "Nós somos o segundo país mais violento do mundo, e eu suspeito que o medo tenha gerado parte desta realidade."
Barcellos disse acreditar que a imprensa contribui para o "terror" vivido na grande cidade, colocando a população de baixa renda como inimiga potencial da sociedade.
Para ele, isso é um grande equívoco. "O assaltante pobre só mata em última hipótese. Matar significa tiro, tiro significa chamar atenção da polícia, polícia significa que ele pode morrer."
A possibilidade de matar
O porte de armas pela população civil é o que mais preocupa o jornalista. Assim, o medo da violência só gera mais violência. "Quando um indivíduo compra a arma, ele já está admitindo a possibilidade de matar. Isso é muito grave."
Ao final do debate, Lisandre colocou em questão a paixão de Barcellos pela sua arriscada profissão, revelando o lado propriamente estimulante do medo. "Existe essa coisa realmente saborosa e erótica no medo", afirmou.
Barcellos não pareceu expressar total acordo: "Será que é tão excitante assim? Eu sinto desconforto quando estou com medo. Eu preferia não sentir medo."

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