São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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China substitui URSS no duelo das potências

JAIME SPITZCOVSKY
EDITOR DE EXTERIOR E CIÊNCIA

Jiang Zemin visita a Casa Branca com uma missão bastante diferente da de seu predecessor, Deng Xiaoping, quando este pisou em solo norte-americano há 18 anos. No final dos anos 70, a opinião pública dos EUA enxergava em Moscou a sede do "Império do Mal", expressão cunhada pelo presidente Ronald Reagan. Agora, começa a ver Pequim como epicentro do desafio global às vontades de Washington.
Em 1979, Deng cruzou o oceano Pacífico quando imperava a "diplomacia do pingue-pongue", rótulo usado para descrever a aproximação entre Pequim e Washington. A estratégia, desenhada por Henry Kissinger, o mago da diplomacia norte-americana nos anos 70, fazia os países apagarem diferenças ideológicas em nome de um objetivo comum: enfrentar a ameaça soviética.
Depois de uma lua-de-mel no início da era maoísta, China e URSS chegaram, na década de 60, à beira da guerra total em sua encarniçada disputa pela liderança do mundo comunista.
A URSS se desintegrou em 1991 e a sua principal sucessora, a Rússia, ainda não se recuperou do golpe desferido contra o poder político, econômico e militar que se concentrava em Moscou. Washington, depois de eliminar o espectro do "Império do Mal" eslavo, identificou seu novo adversário em um antigo aliado oriental.
A China, livre do desgoverno da era maoísta, acumula desde 1978 um acelerado crescimento econômico, reúne a maior população do planeta e um território que lhe garante notável influência, pelo menos, no continente asiático. Pequim não quer mais ser tratada por Washington como coadjuvante, papel que lhe cabia quando o embate principal mobilizava norte-americanos e soviéticos.
A visita de Jiang aos EUA, além de evidenciar o novo arranjo das peças no tabuleiro da geopolítica mundial, serve também para mostrar o novo rumo das relações bilaterais, anunciado em novembro passado. Depois de uma onda de fricções, os dois países resolveram priorizar a "agenda positiva", ou seja, os pontos de convergência.
Pontos de convergência
Estes, no entanto, não são muito numerosos. Washington e Pequim coincidem no interesse pela manutenção da estabilidade mundial, ingrediente indispensável para o desenvolvimento econômico. Os dois países calculam que têm muito a ganhar em suas relações comerciais, na simbiose entre a economia mais poderosa do planeta e aquela que cresce mais velozmente no mundo.
A lista de conflitos é mais extensa, resultado natural de dois gigantes em busca de "espaço vital". Mesmo na área econômica há ruídos. Washington acumula déficits comerciais recordes em suas transações com a China, numa tendência alarmante para os EUA.
Na área política, a capitalista e recém-democratizada Taiwan desponta como maior espinho. A China quer a reunificação com a "ilha rebelde", que conta com eventual apoio norte-americano para resistir ao peso do gigante.
Clinton também tem de lidar com a delicada questão dos direitos humanos, alicerce do ideário norte-americano, muitas vezes atropelado por interesses comerciais. Em 1994, a Casa Branca anunciou que não condicionava mais a concessão de vantagens comerciais ao parceiro asiático a avanços da democracia na China.
A Casa Branca acusa ainda Pequim de fornecer tecnologia nuclear ao Paquistão e ao Irã, o que contribuiria para a instabilidade no sul da Ásia e no Oriente Médio.
Essa lista de atritos e o novo cenário global garantem a Jiang uma recepção diferente daquela conseguida por Deng. O "pequeno timoneiro" foi recebido com aplausos nas ruas de Washington. Jiang deve ouvir vaias e protestos.

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