São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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Por que Nova York é um sucesso

GILBERTO DIMENSTEIN

Com vista ao Central Park, em Nova York, o restaurante Jean Georges virou notícia por causa de suas linhas telefônicas.
Desde que foi inaugurado, este ano, eles recebem uma média de 3.000 pedidos de reserva por dia. Repetindo, por dia.
O jornal "The New York Times" apontou o Jean Georges como uma obra de arte culinária, distribuindo elogios raramente vistos mesmo numa cidade de 17 mil restaurantes.
O congestionamento recorde de linhas telefônicas não ocorreria, porém, há apenas dois anos.
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O Jean Georges é reflexo de um dos mais interessantes fatos sociais deste século.
Nenhuma cidade tão deteriorada, abandonada anualmente por 100 mil moradores, dominada por gangues e sujeira, conseguiu dar a volta por cima tão rapidamente.
Sinal dessa virada é que mulheres aceitam ser motoristas de táxi ou senhoras idosas andam no metrô de Nova York, despreocupadas com assaltos.
Segundo pesquisa realizada pelo Gallup, Nova York acaba de assumir a liderança disparada entre os locais mais desejados pelos americanos.
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Desde que cheguei aqui, há dois anos, tento entender as razões dessa história de sucesso, por considerar Nova York o mais importante laboratório social para o Brasil.
É intrigante o fato de que a pobreza não diminuiu. A taxa de desemprego é alta -10%, quase o dobro da brasileira.
Pelo menos 1 milhão de pessoas continuam recebendo algum tipo de ajuda oficial para sobreviver; 25% dos 7,5 milhões de habitantes são classificados de pobres.
Para complicar, por ano chegam 100 mil imigrantes ilegais, vivendo na clandestinidade.
Um bom pedaço da minha resposta está no clima da eleição para a Prefeitura de Nova York, a ser realizada no começo de novembro.
Nada faz lembrar o ambiente morno da sucessão presidencial do ano anterior.
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As pessoas identificam que seus interesses estão hoje muito mais dependentes da prefeitura do que da Casa Branca -ou, muito menos, do governo estadual. Poucas coisas incomodam mais do que ter medo de andar na rua.
E aí está uma das primeiras razões do sucesso: a descentralização aumenta a eficiência das políticas públicas. O prefeito aqui tem poderes que, no Brasil, diluem-se entre os governadores e até o presidente. Além da polícia, cuida dos ensinos de primeiro e segundo graus; também de faculdades públicas.
Está nas suas mãos o meio ambiente, programas de assistência social e geração de empregos. Tem flexibilidade para os mais variados tipos de isenções de impostos, atraindo empresas.
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A cidade é dividida em cinco bairros. Para cada um deles, é eleito um prefeito, chamado aqui de presidente.
Some-se a isso que há na cidade 11 mil organizações de voluntários que se envolvem desde na educação, no meio ambiente e até na segurança.
Por exemplo: 5.000 pessoas se dispõem a trabalhar gratuitamente como vigilantes, avisando a polícia de qualquer movimento suspeito.
Muitos dos jardins públicos são cuidados apenas pelos moradores das redondezas ou estudantes das escolas.
Criaram-se fundos para ajudar pessoas interessadas em abrir negócios; empresários organizam a reurbanização de locais como Times Square.
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Claro que ajuda o processo de crescimento econômico em que vive o país.
Mas em outras épocas de prosperidade nacional, a cidade vivia uma decadência que se imaginava irrecuperável.
Só descentralização também não funciona sozinha. Nova York ensina que a química se dá, de fato, com a participação comunitária.
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Importante: nenhuma cidade é tão aberta aos estrangeiros e a sua energia criativa como Nova York.
Essa generosidade faz de Paris, Roma, Tóquio ou Londres cidades de segundo escalão, onde a violência contra imigrantes é tolerada e, em muitos casos, estimulada -pagam o preço dessas arrogância e xenofobia.
Nesse aspecto, os brasileiros são extremamente mais evoluídos e generosos.
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Saio daqui com a convicção de que os brasileiros têm todas as condições de transformar suas cidades em espaço de convivência e não medo, reduzindo a tensão social.
Vai depender, entretanto, justamente desta união entre descentralização e participação comunitária, focada na valorização da cidadania (leia escolas), em meio a uma economia em crescimento. É preciso ser muito desinformado para imaginar que, num país de proporções continentais, a alavanca social vai ser o presidente.
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PS - Concluídas minhas pesquisas em Nova York, volto para São Paulo para morar no bairro que mais se aproxima do projeto de uma cidade mais humana e democrática -a informal Vila Madalena, onde as pessoas ainda se encontram e andam nas ruas.
Podem me chamar de maluco ou ingênuo, mas acredito que São Paulo vai dar, mais cedo ou mais tarde, uma virada tão surpreendente como Nova York. Justamente porque nela está concentrado um rico e fértil capital humano. Mas é, até agora, um capital sub-representado tanto na prefeitura e Câmara de Vereadores como em entidades sindicais, empresariais e acadêmicas. Não é possível que tanta gente inexpressiva ocupe indefinidamente tantos cargos estratégicos.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail: gdimen@aol.com

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