São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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MITOS DO DESEMPREGO

A divulgação do índice de desemprego de 16,3% em São Paulo, na semana passada, desencadeou uma série de reações passionais entre autoridades federais e alguns especialistas alinhados a Brasília. Caiu muito o grau de racionalidade do debate econômico, que aliás tende a ser declinante com a aproximação das campanhas eleitorais em 1998.
O primeiro mito que voltou a circular é o de que os números calculados pelo Dieese e pela Fundação Seade não podem ser comparados internacionalmente e, portanto, carecem de objetividade. O IBGE faz sua pesquisa segundo critérios bastante restritos, tratando como desempregadas apenas as pessoas desocupadas.
Mas em outros países também há uma gradação nos indicadores. Nos EUA, por exemplo, as taxas de desemprego variam de 5% a 13%, dependendo do critério. É preciso evitar uma atitude que foi bastante comum nos anos de inflação elevada, que era a de culpar os índices.
A disseminação de empregos precários, temporários ou sem vínculos empregatícios formais é uma das tendências mais relevantes do mercado de trabalho no Brasil. Contar com indicadores que captem esse fenômeno é crucial. Aliás, o próprio IBGE vem trabalhando com um Indicador de Precariedade, que capta essa fenômeno. Em agosto, esse índice ficou em 14,6%.
Outro mito é o de que o desemprego resulta principalmente da perda de dinamismo da economia paulista. Houve até quem afirmasse que a economia do Rio de Janeiro é mais flexível. Ora, os dados do Dieese e Seade comprovam exatamente essa tendência de multiplicação de empregos precários ou de expansão do chamado mercado informal em São Paulo.
O fato inegável é que está aumentando a heterogeneidade das condições de contratação em todo o Brasil. Essa realidade exige a revisão de outro mito, o de que a rigidez da legislação trabalhista é o principal fator inibidor do aumento do emprego.
A julgar pela multiplicação de formas heterodoxas de contratação -que vai do autônomo ao contratado sem carteira, passando pelos prestadores de serviços terceirizados e pela disseminação de pequenas empresas familiares-, o mercado de trabalho no Brasil é, na prática, bastante flexível, apesar da rigidez da legislação trabalhista.
Aliás, como revela reportagem que a Folha publica hoje, há indicadores positivos de criação de emprego sem que a legislação tenha sido alterada.
Finalmente, é preciso rever o mito de que todas as novas formas de emprego, mesmo as mais precárias, são perversas em termos de renda.
Trabalho recente, assinado por pesquisadores da Seade e do Ipea, registra que, apesar de os rendimentos no setor informal estarem abaixo dos obtidos no setor formal, são as rendas dos informais que aumentaram mais rapidamente nos últimos anos.
Não há respostas fáceis para o problema do desemprego. Em países menos desenvolvidos, como o Brasil, a diversidade e a flexibilidade já são um fato. Entretanto, antes de culpar os termômetros pela febre, os técnicos e as autoridades deveriam se debruçar na procura de maneiras de melhor combater o desemprego, um mal praticamente universal.

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