São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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O preço da honra

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Antigamente, a honra era lavada com sangue. Hoje, lava-se a honra na base dos salários mínimos que a vítima ganha: se a afronta é venial, 20, se o agravo é mortal, 200 salários mínimos pagos pelo ofensor. Virgílio explica a sutileza dessa operação moral com o seu famoso "tempora mutantur" -os tempos mudam.
Evidente que não sugiro a regressão aos heróicos tempos dos duelos, nem mesmo aos mais suaves, àqueles que eram decididos "ao primeiro sangue", ou seja, ao primeiro arranhão da espada ou do tiro. Findo o que, os dois contendores apertavam-se a mão e tudo ficava esquecido.
Stendhal narra um caso espantoso. Um sujeito está numa taverna bebendo em paz, entra um brutamontes que vai logo ofendendo uma mulher com um simples olhar de cupidez. A mulher nem era a dele, mas o sujeito levanta-se e convida o brutamontes ao duelo. Na manhã seguinte está estirado no chão, numa poça de sangue. E a moça ultrajada passa aquela noite com o brutamontes, nos braços dele desmaia de prazer e orgulho.
Sérgio Motta e Paulo Maluf demandaram na Justiça questões relativas à honra. Em primeira instância, o ministro terá de pagar ao ex-prefeito não sei quantos salários do próprio. Aqui no Rio, o poeta Afonso Santana chamou o romancista Márcio de Souza de canalha. Aguarda-se a sentença, sou admirador e amigo dos dois, lamento o entrevero, torço para que tudo termine bem, que um apresente e o outro aceite as desculpas. Seria a solução mais civilizada e digna de ambos.
A Lei de Imprensa que está em discussão no Congresso pretende oficializar o preço da honra alheia. Fui processado por um promotor e condenado a pagar-lhe 200 salários de sua função, quase R$ 200 mil. Depois de ter perdido nas instâncias estaduais, ganhei no STJ e nada lhe paguei. De forma que, para não correr risco, agora só comprarei briga com quem ganhar menos de dois salários mínimos.

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