São Paulo, domingo, 26 de outubro de 1997
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A polêmica dos inibidores

IZABELA MOI

Enquanto os médicos não chegam a uma conclusão sobre os riscos de usar inibidores de apetite, você já pode tomar pelo menos um cuidado: pergunte ao seu endocrinologista se não está na hora de fazer um ecocardiograma, exame do coração que detecta problemas nas válvulas -um dos possíveis efeitos colaterais das drogas.
E se você não é obeso e mesmo assim está tomando esses remédios -vendidos no Brasil com os nomes de Isomeride, Lipase, Fluril e Minifage-AP-, pense sobre a relação custo-benefício: para perder alguns quilos sem esforço, vale a pena arriscar um possível problema cardíaco?
Ainda não se provou nada contra as drogas feitas com fenfluramina ou dexfenfluramina. "Agora é hora de pesquisar o que está acontecendo. Parar ou continuar um tratamento vai depender da opinião de cada médico", afirma Max Grinberg, cardiologista do Instituto do Coração.
A primeira luz vermelha foi acesa com a publicação de um artigo no "The New England Journal of Medicine" sobre 24 casos de lesões de uma ou mais válvulas cardíacas em pacientes que estavam tomando a combinação dos inibidores de apetite (fenfluramina e fentermina). O FDA -órgão que controla o mercado de remédios dos EUA-, quando soube dos resultados, suspendeu imediatamente a venda dos medicamentos baseados na fenfluramina.
"Não há certeza de que as lesões cardíacas são causadas pelo remédio, mas o que se tem feito é uma medida médica de precaução", afirma o endocrinologista Alfredo Halpern, presidente da Abeso -Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade.
Halpern e Grinberg estão acompanhando pacientes que tomaram a dexfenfluramina (variação da fenfluramina, mais comum nos medicamentos brasileiros) para possível identificação da relação entre esses remédios e lesões nas válvulas cardíacas. "O ideal seria que pudéssemos fazer o teste em pacientes zero, ou seja, que nunca tivessem tomado o medicamento, mas a ética impede estudos nesse sentido", explica Grinberg.
O endocrinologista Freddy Eliaschewitz, o cardiologista Augusto da Costa Jr. e a nutricionista Valéria Costa Bueno, do Hospital Heliópolis, também estão com um projeto para pesquisar o efeito da dexfenfluramina. Eliaschewitz acredita que haja uma população de alto risco, mais suscetível aos possíveis efeitos colaterais desses medicamentos. "O grupo atingido foi formado apenas por mulheres, com média de 45 anos, todas grandes obesas, que tomaram altas doses de remédio (em geral, a associação entre fenfluramina e fentermina) por uma média de um ano", afirma.
O endocrinologista, que recebeu vários telefonemas de pacientes com dúvidas, diz que continuará receitando dexfenfluramina enquanto estiver disponível, mas estará "acompanhando todos com exames ecocardiográficos".
A dona-de-casa Mercedes Nonato, 56, toma fenfluramina desde 86, sempre com períodos de interrupção. Se o médico dela achar melhor continuar tomando, ela obedecerá. "Eu confio no meu médico. Se o medicamento me desse algum desconforto, eu pediria para trocar. Eu não posso ficar com esse peso por causa da minha saúde. Quero chegar aos 65 kg para ficar muito feliz", diz Mercedes, que pesa 75 kg e mede 1,55 m.
A fonoaudióloga Eleonora Lichtensels Rodrigues, 38, engordou mais de 20 kg depois do nascimento de seus dois filhos e não conseguia emagrecer. "Comecei a tomar fenfluramina em julho. Em 3 meses e meio, perdi 18,5 kg. Não passei fome, nem senti fraqueza. Mas percebi que não adiantava só tomar o remédio, tive que seguir uma dieta. Vou continuar usando o remédio pelo menos até a próxima consulta. Aí, faço o que meu médico disser."
É possível que haja alguma relação entre as lesões cardíacas encontradas e o uso do medicamento, mas não é certeza. "Nunca se fez um estudo ecocardiográfico da população obesa normal, com a mesma idade", explica Halpern.
Grinberg lembra que o FDA aprovou o uso da fentermina e da fenfluramina separadamente e nunca se pronunciou sobre o uso dos dois medicamentos em conjunto. Até a semana passada, o FDA tinha registrado 101 casos de lesão nas válvulas cardíacas em pacientes que tomavam inibidores de apetite -89 deles usavam a combinação dos dois medicamentos.
No Brasil, a fenfluramina (ou dexfenfluramina) é comercializada há sete anos e tem 300 mil usuários. A fentermina não é vendida no país.
"Na verdade, o problema é que o remédio satisfaz médicos e pacientes com poucos efeitos colaterais, mas, agora, deve ser melhor analisado com um novo alerta", acrescenta Grinberg.
O endocrinologista Bernardo Leo Wajchenberg, do Hospital das Clínicas, adotou uma posição mais radical e suspendeu essa medicação. "Os testes não vão conseguir provar nada contra ou a favor desses medicamentos, porque nenhum paciente zero vai se submeter a pesquisas, o que é uma pena. Os medicamentos acabarão sendo condenados para sempre", prevê.

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