São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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Para se reeleger, FHC promete assentar 1 mi

KENNEDY ALENCAR
EDITOR DO PAINEL

Governo elabora secretamente proposta que inclui gastos de R$ 16,2 bilhões no campo até o final de 2002

O ministro da Política Fundiária, Raul Jungmann, prepara sigilosamente um programa de reforma agrária para a campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso.
A proposta, obtida pela Folha, prevê um gasto de R$ 16,2 bilhões para assentar 1 milhão de famílias até 2002, o último ano de um eventual segundo mandato de Fernando Henrique.
Estima que os efeitos da reforma agrária criariam 3 milhões de empregos diretos e gerariam um aumento de R$ 5 bilhões na arrecadação de impostos.
O plano de reforma agrária coincide com o diagnóstico de marketeiros tucanos de que FHC não pode ter apenas a estabilidade econômica como bandeira na campanha de 98. Segundo pesquisas encomendadas pelo Palácio do Planalto, a população avalia que o governo tem falhado no combate aos problemas sociais, com destaque para o desemprego e a reforma agrária.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) tem dito historicamente que sua reivindicação de reforma agrária seria atendida caso fossem assentadas 1 milhão de famílias, exatamente o que promete o plano do governo. Na eleição de 94, o PT propôs a meta de 800 mil em quatro anos.
O Ministério da Política Fundiária nega a existência do documento de 50 páginas, elaborado por um grupo de técnicos a pedido de Raul Jungmann.
"Não sei de nenhum plano que esteja sendo discutido em segredo. E garanto que não há nenhum documento. Mas entre as minhas atribuições está confeccionar até o fim do ano um programa de reforma agrária", diz Aécio Matos, ex-secretário-executivo da pasta e hoje assessor do gabinete do ministro.
Sigilo
No dia 18 de agosto, o ministro Jungmann marcou uma reunião à noite em São Paulo com professores da USP. Não avisou detalhadamente o motivo do encontro, realizado na casa de Juarez Brandão Lopes, professor de sociologia na USP, assessor do Incra e uma espécie de organizador das reuniões onde se debate o projeto. Disse apenas que discutiriam propostas do ministério.
Na hora da reunião, foram distribuídas cópias numeradas do "Programa de Reforma Agrária e Desenvolvimento Sustentável".
Em todo o documento, o nome completo do plano só aparece uma vez, na página 42. Nas demais páginas, ele é simplesmente tratado como "Programa". O ministro foi claro ao recomendar que o encontro não vazasse para a imprensa. Pediu que o documento fosse lido, avisando que deveria ser devolvido depois.
Jungmann ouviu críticas pontuais, mas acabou colhendo uma avaliação mais positiva que negativa da proposta. O ministro fez pelo menos mais duas reuniões com acadêmicos da área agrícola. Em todos os encontros, pegou de volta as cópias que distribuiu.
O "Programa" deverá sofrer pequenas modificações em relação à versão obtida pela Folha. Por exemplo: deve ser incluída a justificativa para a redução do tamanho dos lotes nos assentamentos de 50 hectares para 33 hectares.
O documento tem dois trechos curiosos.
Logo na primeira página, é cético quanto à possibilidade de fazer a reforma agrária em um ou dois mandatos presidenciais:
"Como disse o presidente Fernando Henrique Cardoso, no seu discurso do dia 9 de abril passado, esta é uma herança pesadíssima de quatro séculos de latifúndio e de exclusão social, que não poderá ser resolvida em cinco anos."
Na página 49, sintetiza o "Programa": "Em suma, com um adiantamento de R$ 16,2 bilhões, o Brasil resolve seu problema de reforma agrária em prazo relativamente curto, de cinco anos".
Pela promessa eleitoral de FHC, nos cinco primeiros anos o Incra terá resultado financeiro negativo -gastará mais do que arrecadará cobrando, com desconto, os financiamentos e o preço da terra.
Mas prevê que, a partir de 2004, as receitas deverão superar as despesas. Afirma que em 2013 todos os débitos estariam quitados.
Em 98, o governo federal destinaria R$ 2,7 bilhões ao "Programa" (a mesma cifra que consta do Orçamento da União para o ano que vem). Nos quatro anos do eventual segundo mandato de FHC, o desembolso anual seria de cerca de R$ 3,3 bilhões em média.
Ou seja: para que a promessa "reeleitoral" vire realidade, FHC terá que aumentar a fatia do Orçamento que destina à reforma agrária e mantê-la durante toda a sua eventual segunda administração.
Em 2003, as despesas ainda superariam as receitas em R$ 102 milhões, mas a partir de 2004 o fluxo financeiro positivo seria de R$ 558 milhões.
A meta de assentar 1 milhão de famílias até 2002 está dividida assim: 750 mil pelo tradicional processo de desapropriação e 250 mil por meio da compra da terra, batizada pelo Incra de "Crédito Fundiário".
Na verdade, o assentamento de 1 milhão de famílias levaria seis anos, pois o Incra inclui na meta a promessa de assentar 80 mil famílias em 97. Até outubro, entretanto, assentou apenas 50 mil.
O compromisso de campanha de FHC em 94 foi o de assentar 280 mil famílias até 98. Com dois anos e Dez meses de governo, o presidente diz que assentou cerca de 104 mil.

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