São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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O malogro dos contratos provisórios

ARNALDO SÜSSEKIND

A globalização da economia, resultante do encontro da nova revolução tecnológica -sobretudo a informática e a robótica- com o fim da Guerra Fria, incrementou a concorrência comercial entre países e, nestes, entre suas empresas. Visou-se, então, ampliar a produção e a produtividade, melhorar a qualidade dos produtos e, ao mesmo tempo, reduzir os custos.
As consequências de maior relevo no campo das relações do trabalho foram: 1) a flexibilização das normas legais, a fim de propiciar o atendimento a peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais, a implementação de novos métodos de trabalho e a preservação da saúde da empresa e dos respectivos empregos; 2) a terceirização da produção, cuja estrutura vertical vem sendo substituída pela horizontalização na execução de determinados serviços; 3) o desemprego estrutural, que, segundo a Organização Internacional do Trabalho, atingia, em novembro de 1996, 150 milhões de trabalhadores.
A flexibilização, como bem ponderou o professor Jean-Claude Javillier, não se confunde com a desregulamentação do direito do trabalho. Os adeptos do Estado social consideram indispensável um mínimo de normas legais irrenunciáveis, abaixo do qual não se pode conceber a dignidade do trabalhador; mas hoje admitem que, acima desse piso protetor indisponível, seja facultada a flexibilização das demais disposições.
Já os neoliberais advogam a desregulamentação das condições de trabalho, a fim de que sejam livremente ajustadas entre empregadores e trabalhadores.
Essa desregulamentação, a nosso ver, é inadaptável a países de cultura jurídica romano-germânica, como o Brasil. Somos um país desigualmente desenvolvido, que não possui em todas as regiões sindicatos capazes de obter, em negociação coletiva, adequadas condições de trabalho, principalmente nesta fase de desemprego estrutural.
Tentando atenuar o seu grande desemprego, a Espanha reformou, em 1994, o Estatuto dos Trabalhadores, passando a admitir em larga escala o contrato temporário de trabalho, com redução de direitos tradicionais.
No ano seguinte, a Argentina promoveu reforma similar; em 1996, o governo brasileiro submeteu ao Congresso o projeto de lei nº 1.742, elaborado pelo ministro Paulo Paiva sob a inspiração da lei espanhola. Esse projeto, já aprovado pela Câmara, está no Senado.
Coincidência ou não, a Espanha e a Argentina continuam a liderar a estatística mundial de desemprego. A taxa no país ibérico subiu de 22,1% em 1994 para 22,8% em 1996; na Argentina, passou de 12,2% em 1994 a 17,1% em agosto de 1996 e a 17,3% em março de 1997.
O mais significativo a atestar o fracasso dos contratos provisórios foi a revogação da lei espanhola pelos reais decretos legislativos números 8 e 9, de 1997, a pedido de centrais sindicais de trabalhadores e de empresários, fundados em que: a) grande percentagem de empregados foi substituída por contratados provisórios, acelerando a rotatividade da mão-de-obra; b) o comércio passou a negar crédito para as vendas a prazo, com o que se reduziram o consumo e a produção de bens para o mercado interno; c) as empresas deixaram de investir na reciclagem profissional porque a maioria dos empregados era exageradamente transitória. A nova lei, que alterou artigos do Estatuto dos Trabalhadores, limita as hipóteses permissivas dos contratos a prazo.
Esses dados foram divulgados pelo professor espanhol Valdez Dal-Ré em Genebra, em 25 de junho, no curso do Instituto Internacional de Estudos Sociais da OIT. Extraímos o seguinte trecho da lição do professor.
"Em 1994, a contratação temporária na Espanha era a maior da Europa. De cada 100 trabalhadores, 35 eram temporários. Todas as reformas foram feitas para favorecer a temporariedade. O governo teve de expandir o seguro-desemprego (...). A adoção dessa flexibilidade causou, em 1994, a rotatividade de 50% dos trabalhadores. Os contratos eram de apenas quatro meses e geraram miséria maior. Caiu o consumo interno (acabaram-se as compras a prestação); aniquilou-se o aperfeiçoamento profissional, pois empresas deixaram de investir em sua mão-de-obra.
"Neste 1997, a Espanha está na mesma. Em abril deste ano, a União Geral dos Trabalhadores e as comissões operárias firmaram com as duas centrais patronais novo acordo, agora voltado à estabilidade no emprego, sendo que o governo homologou esse entendimento (o termo 'estabilidade', aqui, é antítese à transitoriedade do contrato)."
Atendendo a que o Senado brasileiro terá de deliberar sobre o projeto, é oportuno alertar para os resultados negativos advindos da lei espanhola, que inspirou a proposta assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Além da inconstitucionalidade de permitir que empregados do mesmo estabelecimento, no exercício de funções idênticas, fiquem sujeitos a regimes jurídicos diferenciados, em sensível redução de direitos sociais-trabalhistas para os contratados temporariamente, certo é que o malogro da experiência espanhola, reconhecido por empresários e trabalhadores, clama pela rejeição do questionado projeto.
Para minorar o desemprego, urge que se legisle, como em diversos países, sobre o trabalho a tempo parcial, o teletrabalho e as jornadas flexíveis, com rigorosa limitação das horas extraordinárias. E que se incremente o desenvolvimento econômico -este, sim, gerador de empregos permanentes.

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