São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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Inflação x desemprego: falso dilema?

PAULO PAIVA

Na interpretação das taxas de emprego, com frequência surgem argumentos que imputam à política de estabilização a responsabilidade pelo desemprego no país. Muitos se baseiam na suposição de que há um conflito insuperável entre emprego e inflação.
Ora, esse pode ser um falso dilema, como parece demonstrar o que acontece em outros países, principalmente nos EUA. Lá, a inflação se encontra estável, em níveis muito baixos, e o desemprego atingiu o nível mais baixo no pós-guerra. Isso é possível numa economia globalizada, em decorrência do aumento da produtividade e da flexibilização do mercado de trabalho.
No Brasil, o processo de estabilização está em curso com a manutenção do crescimento econômico. O país está passando pelo quarto ano consecutivo de queda da inflação e pelo quinto ano consecutivo de crescimento do PIB. Repete-se, aqui, a experiência que permite a conciliação entre estabilidade monetária e crescimento econômico.
No mercado de trabalho, o país convive com taxas médias anuais de desemprego no intervalo entre 5% e 6%, conforme a pesquisa mensal de emprego do IBGE, que cobre as suas seis maiores regiões metropolitanas.
A produtividade tem mantido uma trajetória de crescimento. As mudanças estruturais na produção e as exigências de maior competitividade requerem uma mão-de-obra mais qualificada e um mercado de trabalho mais flexível do ponto de vista de seu arcabouço institucional. Esses são alguns dos principais desafios para aumentar a eficiência do mercado de trabalho e contribuir para a queda das taxas de desemprego.
Quanto ao nível de escolaridade dos desempregados, 50,7% deles, na Grande São Paulo, não tinham completado o primeiro grau, segundo dados da Fundação Seade/Dieese. Somam-se mais 14,7% com apenas o primeiro grau e 11,3% sem o segundo grau completo; ou seja, 76,7% dos desempregados naquela região não tinham atingido os 11 anos do ensino fundamental.
Isso é uma evidência clara da necessidade de investimentos na qualificação de nossa mão-de-obra. Esses esforços já estão sendo feitos pelo governo federal, por meio de programas do Ministério do Trabalho (em parceria com governos estaduais), por instituições patronais e sindicatos de trabalhadores e por iniciativa das próprias empresas.
Outro fator limitante à expansão do emprego é a rigidez da lei trabalhista. Temos de fortalecer as negociações coletivas, garantindo a liberdade e a autonomia sindicais, e oferecer alternativas mais variadas de contratos de trabalho e de jornadas mais flexíveis. Temos, ainda, de desonerar a folha de salários de sua carga parafiscal, que não se confunde com direitos trabalhistas.
Do lado da oferta de mão-de-obra, contudo, o mercado de trabalho brasileiro apresenta tendências bastante distintas das dos países desenvolvidos.
A população brasileira manteve, nos 30 anos que se seguiram ao pós-guerra, uma taxa de crescimento médio anual em torno de 2,8%. Depois, em razão da queda nas taxas de fecundidade, o ritmo de crescimento demográfico recuou rapidamente, estando hoje em torno de 1,4% ao ano. A população economicamente ativa, ao contrário, mantém seu crescimento estável em torno de 2,7% ao ano, com maior participação feminina e maior peso relativo dos segmentos acima de 40 anos.
Diante desse cenário, torna-se prioritário cuidarmos, como fazemos, da educação fundamental, para garantir que aqueles que chegam ao mercado de trabalho venham com um nível de escolaridade mais alto. Na mesma linha, devemos continuar o esforço para qualificar e requalificar um número cada vez maior de trabalhadores. São ações necessárias e compatíveis com a tendência de alta da produtividade.
Ademais, temos que avançar nas mudanças da legislação trabalhista. Crescimento descentralizado da economia, como vem ocorrendo, com maior grau de mobilidade da mão-de-obra, poderá ajudar a absorção de quem está ingressando no mercado e de quem perdeu seus empregos em locais mais afetados pela reestruturação industrial, como a região metropolitana de São Paulo.
Assim, ajustando o mercado de trabalho, será possível também no Brasil conviver com estabilidade monetária e baixo desemprego. Seus níveis, contudo, dependerão da velocidade com que formos capazes de elevar a escolaridade dos trabalhadores e de modernizar a lei trabalhista, bem como da conclusão da transição demográfica no mercado.

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