São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 1997
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'General vietcongue tem copos de Disney'

JAIME SPITZCOVSKY
EDITOR DE EXTERIOR E CIÊNCIA

Aqueles copos sobre a mesa me incomodavam. Estava na casa do general Vo Nguyen Giap, um dos maiores gênios militares de todos os tempos. Foi ele o cérebro da vitória vietnamita sobre os EUA nos anos 70, resultado arrancado no estilo bíblico de Davi e Golias.
Antes de entrevistar o homem mais popular do Vietnã de hoje, achava que entraria num bunker vietcongue, pintado de cores antiianque. Enganei-me. Os copos sobre a mesa da casa à rua Huang Dieu, 30, no centro da capital Hanói, traziam a estampa de personagens de Walt Disney.
Antes de conhecer o gosto da família pela indústria cultural do ex-inimigo, os EUA, soube de sua queda por novelas brasileiras.
Dang Bich Ha, a mulher do segundo casamento de Giap, fazia-me companhia e, enquanto aguardávamos a chegada do general, me contou que a novela "Escrava Isaura" era sua única referência sobre o Brasil.
Giap entrou na sala pontualmente às 16h30 daquele sábado, 18 de março de 1995. Conversamos durante 78 minutos, ajudados por um intérprete do Ministério das Relações Exteriores do Vietnã e vigiados por um assessor do general.
Conversávamos às vésperas do 20º aniversário do fim da Guerra do Vietnã, numa rara e exclusiva entrevista de um militar assediado pela imprensa, mas resguardado por cada vez menos frequentes encontros com jornalistas.
Nascido a 28 de agosto de 1911, Giap não foi o cérebro apenas da estratégia que levou à débâcle norte-americana. Arquitetou também a vitória imposta aos franceses em 1954, na batalha de Dien Bien Phu, marco final do colonialismo comandado por Paris na Indochina.
Perguntei a Giap qual a explicação para o sucesso vietnamita nos campos de batalha. "No Vietnã, há uma tradicional doutrina militar", ponderou ele. "Ela nunca foi ensinada em academias militares no exterior ou em institutos até mesmo da extinta União Soviética, que foi um grande aliado. É uma doutrina de usar a guerra de uma pequena nação contra um grande inimigo." A receita dele: recorrer a armas simples, estimular a coragem, a inteligência e a criatividade para surpreender o adversário.
Na entrevista, Giap alertou contra um suposto neocolonialismo, travestido de globalização. O general, prisioneiro das limitações da velhice, ainda estudava temas como o cenário pós-Guerra Fria.
Passeando por galerias de arte de Hanói, vi diversos retratos do general à venda. Comprei um deles. Queria trazer um ícone do Vietnã.

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