São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 1997
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Um banho de sangue

Um banho de sangue
Foi

CELSO PINTO

Foi um banho de sangue. O que aconteceu ontem nos principais mercados, em todo o mundo, foi uma reação em cadeia na qual, a certa altura, ficou difícil identificar quem estava empurrando quem para baixo.
A Ásia abriu o processo por uma questão de fuso horário. A Bolsa de Hong Kong voltou a cair 5,8% reforçando a insegurança sobre o futuro do seu câmbio fixo e de sua economia.
Na América Latina, a incerteza asiática chegou num momento delicado, depois da espetacular derrota do governo argentino nas eleições de domingo. Na psicologia do mercado, o fato de a Argentina ter o mesmo sistema de "currency board" (câmbio fixo e conversível) de Hong Kong passou a ser visto como mau presságio.
Não só a Bolsa argentina despencou, como foi abalada a confiança a longo prazo no câmbio argentino. Até a semana passada, a cotação do peso argentino no mercado futuro, para um ano, era apenas 2,5% superior à paridade. Ontem, chegou a 10%.
O Brasil desabou em todas as frentes. A Bolsa paulista caiu 15%, enquanto o juro e o câmbio futuros disparavam, e os papéis da dívida no exterior caíam até 15%. Muita gente, incluindo alguns bancos médios, perdeu dinheiro apostando na ponta errada.
O pior de todos os sintomas, contudo, foi a enorme queda de 7% em Nova York. Mais do que a queda generalizada na Europa, a queda na Bolsa norte-americana tocou no elo mais frágil da psicologia do mercado. Há vários anos se discute se o preço das ações americanas está alto demais, considerando os fundamentos da economia e o fato de as empresas terem passado por ganhos expressivos de produtividade.
Até agora, quem tinha apostado na queda havia perdido muito dinheiro, porque o mercado teimava em subir. A dúvida, contudo, continua no ar, com o apoio até do presidente do banco central americano (o FED), Alan Greeenspan. É muito difícil evitar que, num momento em que o pânico toma conta do mercado, como ontem, surja o sentimento de que esse pode ter sido o início de uma correção de preços para baixo de 25% ou 30%, como aconteceu em 87, ou ainda maior.
A queda de Nova York eleva mais um degrau na crise de desconfiança iniciada em julho, quando a Tailândia teve que desvalorizar sua moeda. Numa primeira etapa, foi abalada a confiança nos novos tigres asiáticos e criou-se o temor de que outros países emergentes pudessem sofrer ataques especulativos semelhantes.
Quando as pressões atingiram Hong Kong, depois de passar pela Coréia, Taiwan e Cingapura, o temor passou a ser o de que toda a Ásia, incluindo os tigres mais sólidos, pode estar entrando numa longa e penosa crise. O professor Robert Aliber, da Universidade de Chicago, que está em visita ao Brasil nesta semana, é um dos que acreditam que Hong Kong e outros países asiáticos vão passar por uma crise nos moldes japoneses.
Depois de mais de uma década de euforia, alimentada por um salto nos empréstimos e muito ingresso de dólares (estimulado pelo câmbio fixo), os preços de vários ativos, especialmente imóveis, subiram demais. Quando a bolha especulativa estoura, como aconteceu com o Japão, os preços despencam, os bancos ficam fragilizados e a economia entra num ciclo recessivo e deflacionário. A recuperação tende a ser lenta.
O impacto sobre as economias desenvolvidas será relativamente limitado, mas a crise chegou num momento delicado. Ao atingir Nova York com tanta força, o movimento de baixa pode ter ganho uma dinâmica própria -algo que só os próximos dias dirão.
Os mercados estão interligados e são altamente alavancados, ou seja, muita gente assume posições várias vezes maiores do que os ativos que possui (ou até do que o patrimônio de que dispõe). Essas apostas, nos mercados futuros, são cobertas por margens e, quando o mercado cai, exige-se, imediatamente, margens adicionais.
Isso faz com que muita gente seja obrigada a vender qualquer ativo (ações, títulos da dívida etc.), a qualquer preço, para fazer caixa e se cobrir em outros mercados. O que, por sua vez, amplia o movimento de baixa.
Na sexta-feira, o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, confiante, argumentava à coluna que as quedas na Ásia iriam beneficiar o Brasil a médio prazo, porque os capitais que sairiam de lá descobririam ativos baratos aqui. Pode ser, mas a aposta ficou mais complicada.

E-maill: CelPinto@uol.com.br

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