São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 1997
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Programa quer alfabetizar sem-terra

RENATA GIRALDI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de passar 24 anos na UnB (Universidade de Brasília), quatro como reitor, o psicólogo behaviorista e professor João Cláudio Todorov, 56, se despede do ensino formal no próximo mês para assumir a coordenação, em janeiro, de um superprograma de alfabetização de sem-terra já assentados.
Na visão de Todorov, a meta é maior do que simplesmente alfabetizar 200 mil assentados. "Nós vamos escolarizar."
Os professores serão estudantes universitários que vão seguir o método Paulo Freire. Eles darão aulas e formarão 14 mil monitores. MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e universidades federais, em parceria, vão sustentar o programa.
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Folha - É possível unir os interesses do governo federal, do MST, da Contag e Unesco para colocar em prática um programa de alfabetização de adultos sem terra?
João Cláudio Todorov - A escolarização é a ferramenta para garantir as condições da habilidade econômica. Não adianta simplesmente pôr uma família em cima da terra e dizer que lá no banco tem financiamento. É um preceito com o qual todos concordam. O programa será um mutirão nacional.
Estamos elaborando a proposta, já nos reunimos duas vezes e, no mês que vem, os reitores vão se encontrar para fechar as conclusões. Vamos treinar 14 mil monitores. Definimos que, além dos alunos dos cursos de educação, os demais interessados poderão aderir ao projeto. Esperamos ter decidido tudo até 28 de novembro.
Folha - Qual vai ser o método usado no programa?
Todorov - Nós não vamos alfabetizar, e sim "escolarizar". A experiência mais antiga nesse tipo de trabalho ocorreu no sul do país (há 20 anos) e utilizou o método Paulo Freire e algumas poucas variações dele. Decidimos que o melhor é aplicá-lo. O método parte das palavras básicas e significativas para vida do aluno. A idéia não é só ensinar a ler e escrever, e sim dar noções básicas sobre o conteúdo geral em várias matérias.
Folha - Em 1967, o governo lançou o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) para alfabetizar adultos. As críticas dos educadores diziam que o programa era distante da realidade e sem continuidade. Não existe risco de acontecer o mesmo com a alfabetização nos assentamentos?
Todorov - Espero que não. Deve-se desconfiar é dos métodos que dizem ser capazes de ensinar a ler e escrever em dois, três meses.
Folha - Como vai ser essa integração das universidades com o trabalho nos assentamentos?
Todorov - É impressionante o entusiasmo dos estudantes quando eles chegam aos assentamentos e vêem que podem ser úteis e têm como contribuir para aquela comunidade. Nós tivemos uma experiência muito interessante quando fizemos o Censo Agrário (para identificar a quantidade de assentados e suas condições de vida) com a participação de estudantes de 29 universidades.
Além disso, o Conselho de Reitores mantém um grupo de trabalho para a reforma agrária com o objetivo de assessorar os assentamentos. Há também grupos organizados regionalmente, a cargo de cada universidade. Esses grupos prestam serviços em diversas áreas desde saúde até economia, agronomia e educação.
Folha - É correto o diagnóstico de que o governo federal incentiva o programa de alfabetização, prioriza o ensino fundamental e esquece as universidades? Até o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, já defendeu o fim da gratuidade no ensino superior.
Todorov - Essa foi uma opinião isolada do Gustavo Franco. Não é a posição do governo. Tanto que o ministro Paulo Renato Souza (Educação) deixou isso claríssimo. A posição do governo continua a de manter o ensino gratuito nas universidades públicas.
Folha - Funcionários e professores sem reajuste e corrida à aposentadoria não são sintomas de descaso com as universidades?
Todorov - Há três anos estamos sem poder fazer substituições de funcionários por meio de concursos. A UnB está com uma carência de 800 funcionários só na universidade (que tem cerca de 2.500 no total) e mais 700 vagas no hospital universitário. Tem muita gente deixando o serviço público federal por conta dos salários que estão muito baixos. Todos que tinham tempo de serviço entraram com pedidos de aposentadoria.
Eu tenho que admitir que há um certo descaso. A saída é a autonomia total para as universidades. Por outro lado, o governo poderia avançar se garantisse uma definição de financiamento.
Folha - O que falta para implantar a autonomia universitária?
Todorov - O problema é que estamos discutindo há quase três anos sobre o projeto de autonomia das universidades. Esse projeto permite que os reitores administrem com mais liberdade e sem vínculo obrigatório aos planos de cargos e carreiras estabelecidos pelo Ministério da Administração.
A questão é que não há consenso entre os reitores. Há grupos que defendem autonomia total, e outros, parcial. Autonomia para mim é a universidade receber seu orçamento global e remunerar como quiser. O outro modelo não é autonomia, na minha opinião.
Folha - Depois de 24 anos na UnB, quatro como reitor, acredita ser possível contornar as dificuldades crônicas das universidades?
Todorov - É necessário ter muita criatividade. Em vez de reclamar da falta de dinheiro, nós aumentamos as formas de captar recursos próprios. A primeira providência foi recriar um centro de seleção e promoção de eventos, ou seja, nós estamos utilizando externamente toda a experiência bem-sucedida do vestibular.
Passamos a elaborar provas para concursos, promover congressos, seminários e a fazer consultorias e assessorias. Só aí conseguimos levantar R$ 6 milhões em 94, R$ 13 milhões em 95, R$ 23 milhões em 96 e vamos fechar 97 com mais de R$ 30 milhões. Já fizemos concursos para o Senado, Tribunal de Contas da União, Banco Central e outros. Fora isso, todos os serviços (como limpeza e vigilância) são contratados por meio das fundações ligadas à universidade.

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