São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
A heresia do Estado
ELIANE CANTANHÊDE Brasília - Em recente entrevista à Folha, Gustavo Franco defendeu o fim do ensino gratuito nas universidades públicas e maiores investimentos em bolsa-escola, por exemplo.Levou logo uma bordoada, por se meter onde não é chamado. Mas ele não é apenas presidente do Banco Central. É professor universitário e um dos mentores do atual governo. Tem direito de falar e, neste caso, falou com propriedade. Basta dar uma voltinha pela USP, UFRJ, UnB, Unicamp, UFPR, UFPE e por aí afora, onde a garotada não paga um tostão. Nos estacionamentos, carros novinhos em folha, não raro importados. Nas salas de aula, uma profusão de calças jeans de R$ 120,00, camisetas de R$ 70,00, tênis e canetas adquiridos em viagens ao exterior. O Brasil é um país cheio de analfabetos, mas em 96, segundo o MEC, foram gastos R$ 4,2 bilhões com o ensino superior, contra R$ 1,3 bilhão com o ensino fundamental (1ª a 8ª séries). A questão das universidades não é isolada. Apenas confirma que o Estado brasileiro comete uma heresia, ao financiar os ricos em detrimento dos pobres e assim contribuir para o aumento, ano a ano, do fosso social. De acordo com o Banco Mundial, essa cultura perversa se traduz em dados: 20,9% do PIB é gasto com os 20% mais ricos da população e apenas 15,5% com os 20% mais pobres. Como é isso? Fácil. Ao mesmo tempo em que preferem investir na educação de quem pode pagar, os sucessivos governos também invertem historicamente outras prioridades de Estado. Senão, vejamos: dão prioridade aos grandes hospitais e abandonam os pequenos postos de saúde que podem salvar vidas com meras vacinas ou soros; financiam casa própria para a classe média, enquanto os barracos sem mantêm no interior e proliferam nas grandes cidades; gastam fábulas com a aposentadoria dos que têm maior poder aquisitivo, deixando os demais à míngua. Franco jogou no ar uma discussão importante. Não sobre ensino. Mas sobre o papel do Estado num país onde a economia vai bem, obrigado. A maioria da população é que vai mal. Texto Anterior: A soberba e a rima Próximo Texto: Como é que é? Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |