São Paulo, terça-feira, 28 de outubro de 1997
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A soberba e a rima

CLÓVIS ROSSI

Buenos Aires - Noite de domingo, festa da vitória da Aliança, coligação de oposição ao governo Carlos Menem.
Rodolfo Terragno, presidente da UCR (União Cívica Radical), um dos dois partidos da Aliança, faz o seu discurso: "O resultado de hoje é uma vacina contra a soberba. Aprendemos em carne própria e cabeça alheia ao que conduz o triunfalismo".
O "carne própria" refere-se ao governo da UCR (83/89), que se julgou dono único da redemocratização e foi derrotado pela hiperinflação. O "cabeça alheia" é alusão óbvia ao governo Menem, que se julgou dono absoluto da estabilização econômica e levou uma surra inesquecível no domingo.
A platéia delira: "Y ya se ve/y ya se ve/es para Menem/que lo mira por TV". Pena que o colega brasileiro de Menem, Fernando Henrique Cardoso, não estivesse vendo também.
Triunfalismo por triunfalismo, Menem tem até mais razões para exibi-lo: a inflação argentina este ano não passará de 1,5% contra 8% ou 10% no Brasil. O crescimento econômico é de 5,4% ao ano, na média da década, contra os 4% do período FHC.
O desemprego (16%) não difere do mais recente registro de São Paulo, embora o índice nacional, no Brasil, seja inferior, o que apenas disfarça o subemprego.
Menem privatizou mais do que FHC, reduziu o tamanho do Estado mais do que FHC, o que o torna mais credenciado aos olhos do pensamento econômico hoje hegemônico. Reelegeu-se, como FHC pretende fazer. Para quê? Para, meros dois anos depois, ver pela TV a festa da oposição triunfante, ainda que em eleição legislativa.
Menem perdeu por excesso de soberba, de triunfalismo e de suspeitas de corrupção. É verdade que o item corrupção, no Brasil, diz respeito mais ao Congresso do que ao Executivo. Pouco importa. Para o povão, é tudo "governo". E FHC, afinal, rima com "lo mira por TV".

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