São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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Soldado afirma ter sido espancado na Rota

OTÁVIO CABRAL
DA REPORTAGEM LOCAL

Um soldado da PM afirma ter sido espancado e levado choques elétricos dentro do quartel da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), na região central de SP.
A agressão, segundo o soldado, faria parte de um "batismo" a que todos os novos soldados estariam sujeitos quando entram na Rota.
O fato foi revelado ontem pelo ouvidor da polícia de São Paulo, Benedito Domingos Mariano, durante a apresentação do relatório trimestral das atividades do órgão.
No relatório, Mariano destaca 37 casos considerados de extrema gravidade por envolverem crimes contra a integridade física. Dessas denúncias, a feita pelo soldado foi apontada como a mais grave.
O soldado, identificado apenas como P.C.S., afirmou ter sido agredido no início de julho, logo depois de chegar de Franca (401 km de SP) para estagiar na Rota.
Segundo ele, em uma de suas primeiras noites no quartel, foi acordado por três colegas e levado ao banheiro, onde foi obrigado a tomar um banho frio. Em seguida, foi colocado na cama e submetido a uma sessão de choques elétricos.
Após a suposta tortura, ele teria sido obrigado a colocar a farda e ir à rua trabalhar no policiamento.
Além desse primeiro castigo, o soldado denunciou que, dias depois, teria sido acordado pelos mesmos colegas com uma bomba de gás lacrimogêneo.
Em 20 de agosto, P.C.S. procurou a ouvidoria. Ele disse que, após a denúncia, passou a ser perseguido e ameaçado por colegas e superiores. Atualmente, ele está afastado da PM, em uma licença de um ano não remunerada.
"A tortura já é um crime gravíssimo. Mas aplicar choques elétricos em um agente do Estado é duas vezes mais grave, porque, com certeza, ele vai descontar isso na população", afirmou Mariano.
O ouvidor estranha o fato de a Rota não ter aberto um inquérito policial militar (IPM) para apurar o caso. Apenas uma apuração preliminar está em andamento.
"Alguém ter coragem de vir à ouvidoria denunciar ter sofrido agressão dentro do quartel é um indício de que o crime ocorreu. Ainda mais porque ele reconheceu os policiais e confirmou tudo no depoimento à corregedoria", afirmou. "Espero que esse caso se transforme em um inquérito policial militar."
O comando da Rota afirma que não abriu o IPM porque não há evidência de crime (leia texto).
O relatório
Conforme a Folha antecipou na edição de ontem, o relatório trimestral da ouvidoria mostra um predomínio de denúncias contra falhas na atuação das polícias.
No ano passado, as principais denúncias pediam a intervenção em pontos de droga e reclamavam da ausência de policiamento.
Já no último trimestre, a principal denúncia é contra abuso de autoridade, seguida por conduta inadequada e mau atendimento em repartições policiais.
Segundo Mariano, essa mudança mostra que a população está preocupada em denunciar o comportamento irregular da polícia, principalmente após o episódio da ação da PM na favela Naval, em Diadema (Grande SP). "A população quer a polícia na rua, mas sem abuso, atuando dentro da lei."
Mariano ainda destacou o aumento dos casos de extorsão, 11ª maior denúncia no ano passado e quinta no último trimestre.
Há um pouco mais de denúncias contra a Polícia Civil do que contra a PM (veja quadro ao lado).

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