São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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Conheça o valor dos tempos verbais

PASQUALE CIPRO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um assunto que tem sido abordado com alguma frequência nos bons vestibulares é o valor dos tempos verbais. O problema começa com o muitas vezes simplório tratamento que várias gramáticas dão ao tema.
É comum encontrar a respeito do presente algo como "É o tempo que indica o fato que ocorre no momento da fala". Se assim fosse, ninguém poderia conjugar o presente do indicativo do verbo dormir, por exemplo. Afinal, para dizer "Eu durmo", o cidadão precisaria estar dormindo. Para dizer "Tomo banho todos os dias", o cidadão precisaria passar a vida embaixo do chuveiro.
O presente tem outros valores, além do básico. Pode, por exemplo, indicar o fato que se repete, que é habitual ("Durmo sete horas por dia"/"Ela almoça às 13h"). Pode indicar fato futuro, quando acompanhado de advérbio que reforce essa idéia ("Amanhã vou a sua casa"/"Termino a casa no Natal"). Pode, ainda, referir-se a fato passado ("Em 1500, Cabral chega ao litoral da Bahia").
Um dos mais constantes é o pretérito mais-que-perfeito. Seu valor específico é indicar um fato passado anterior a outro, "mais passado" que outro, por isso o "mais" do nome. Quando se diz "Quando cheguei lá, ela já saíra", indica-se que "saíra" é fato anterior a "cheguei".
Muitos professores de português não ensinam a seus alunos o porquê do nome do mais-que-perfeito. Também não ensinam que a forma simples desse tempo tem uma equivalente composta. Saíra, por exemplo, equivale a tinha (ou havia) saído: "Quando cheguei lá, ela já tinha/ havia saído".
O mais-que-perfeito tem pelo menos dois valores paralelos absolutamente sofisticados. Em "E, se mais mundo houvera, lá chegara" (Camões), encontram-se duas formas do mais-que-perfeito com valor diferente do específico. A primeira (houvera) equivale a houvesse, ou seja, tem valor de pretérito imperfeito do subjuntivo. A segunda (chegara) equivale a chegaria, forma do futuro do pretérito. O trecho equivale a "E, se mais mundo houvesse, lá chegaria".
Apesar de mais comum na linguagem sofisticada, o mais-que-perfeito aparece em muitas expressões populares, como "Quisera eu!", ou "Quem me dera!", em que esse tempo expressa desejo, vontade de que algo se concretize.
Na bela e difícil "O estrangeiro", Caetano Veloso emprega o mais-que-perfeito de forma ultra-sofisticada. Em "E eu, menos a conhecera, mais a amara?", Caetano é duplamente requintado. Primeiro, ao usar conhecera em lugar de conhecesse e amara em lugar de amaria. Depois, ao omitir a conjunção condicional se ("E eu, se a conhecesse menos, mais a amaria?").
Fica a dica: procure conhecer mais profundamente o assunto. E esqueça o velho esquema "presente é presente; pretérito é pretérito; futuro é futuro".

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