São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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Brasileiro relata sequestro na Colômbia

CARLOS ALBERTO DE SOUZA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MONTENEGRO (RS)

O mestre-de-obras Clóvis Danúbio de Azevedo, 49, que ficou cinco meses e 18 dias sequestrado na Colômbia pelo ELN (Exército de Libertação Nacional), relatou ontem o sofrimento físico (caminhadas de até 15 horas pela selva) e psicológico que enfrentou sob o domínio dos guerrilheiros.
Azevedo, que trabalhava para a construtora Norberto Odebrecht, foi sequestrado no dia 1º de maio e libertado no último dia 15.
Ele atribuiu a Deus a força que encontrou para suportar o sequestro. Disse ter lido integralmente a Bíblia (uma edição em espanhol emprestada pelos sequestradores).
O mestre-de-obras falou à imprensa em Montenegro (70 km de Porto Alegre-RS), onde moram seus três filhos, a ex-mulher e sua mãe, Célia, 80, que ainda não foi comunicada do sequestro por sofrer de problemas cardíacos.
Azevedo emagreceu nove quilos no período em que esteve sequestrado, caindo de 75 kg para 66 kg.
Um dos principais problemas físicos que enfrentou nas caminhadas pela selva (calcula ter andado 300 km), sem saber por onde andava, foi o ataque de carrapatos. Picado no corpo todo, disse que após remover o inseto restava uma ferida na pele, que coçava muito.
Ele teve diarréia com frequência (o grupo bebia água de rio ou de poça formada pela chuva) e sofreu uma torção no pé esquerdo.
A comida era à base de aipim. "De manhã, ao meio-dia e de noite, era aipim com alguma coisa (arroz e macarrão)."
Azevedo disse que, em média, era acompanhado por 30 sequestradores, armados de fuzis e metralhadoras, alguns com o rosto tapado. Era o único sequestrado.
Não houve iminência de combate entre o grupo e o Exército colombiano. Mas, às vezes, disse Azevedo, ele ouvia tiros.
Sempre vigiado nos acampamentos na selva, Azevedo classificou como "amistoso" o relacionamento com os guerrilheiros, que usavam o termo "detenção", em vez de sequestro. "Minha detenção, como diziam, foi por motivo econômico (obter resgate)."
Os guerrilheiros, que vestiam farda e se comunicavam por rádio com outros grupos do ELN, não o ameaçaram de morte, mas o advertiram para que não tentasse fugir. "Pensei em fugir, mas na hora a gente se acovarda, pois não sabe se está a um dia ou a dez dias de distância de algum lugar".
Azevedo deve voltar para a Colômbia dentro de 15 dias para resolver sua situação trabalhista.
Ele não deve continuar trabalhando na via férrea que a Odebrecht está construindo no norte da Colômbia, entre La Loma a Santa Marta. "Provavelmente voltarei para uma obra no Brasil", disse.
O assessor da Odebrecht que acompanhou a entrevista, Johnson Santos, disse não saber se a empresa pagou o resgate. "Não sou responsável pela negociação, se é que houve negociação".
Ele comentou que alguns jornais noticiaram que o valor do resgate seria US$ 1 milhão. Disse que a intervenção da Cruz Vermelha foi importante para a libertação.
Azevedo também disse não saber se houve pagamento de resgate.
Segundo ele, os guerrilheiros que o detinham "não tinham acesso a esse tipo de informação", que seria de domínio da cúpula do ELN.
Azevedo chamou de indivíduos primários os guerrilheiros que o sequestraram, "quase analfabetos". "Eu respeito a posição deles, que têm um ideal. Todos que têm um ideal merecem respeito."
O grupo -havia mulheres também- não consome bebida alcoólica e não costuma fumar. Ele, que era ex-fumante, voltou ao tabagismo devido à tensão. Os guerrilheiros traziam os cigarros.

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