São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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DISCURSOS CONTRA A CRISE

Ditado bastante surrado ensina que o pior cego é aquele que não quer ver. Na crise financeira que atualmente afeta o mercado mundial, há governos que não apenas evitam olhar de frente os problemas como se apressam a considerá-los resolvidos. Infelizmente, o governo brasileiro parece enquadrar-se nesta cegueira supostamente protetora.
O presidente Fernando Henrique Cardoso e vários técnicos estão tentando dar por encerrada a crise na Bolsa. A precipitação é óbvia, pois não apenas a turbulência não foi superada como já está contaminando outros setores da economia. Os bancos estão reavaliando suas condições de crédito, em especial às vendas de bens duráveis, como automóveis.
O aperto creditício pode reduzir ainda mais o vigor da atividade econômica e, afetando a indústria e o comércio às vésperas do final do ano, aumentar o desemprego. E consumidores desempregados não são exatamente bons pagadores.
Para evitar a contaminação do sistema de crédito pela instabilidade nas Bolsas, o governo teria de injetar recursos na economia ou reduzir as taxas de juros. Mas, como o governo precisa financiar um déficit fiscal significativo e, ao mesmo tempo, um déficit externo que não fez senão crescer nos últimos anos, reduzir juros torna-se inteiramente inviável.
Restam poucas alternativas, e dificilmente elas terão resultados no curto prazo. Uma delas: reformas que reduzam desequilíbrios nas contas do governo e nas contas externas, do que depende a estabilidade.
A crise tem uma dimensão de choque, de impacto imediato, que pode até durar poucos dias. Mas é prematuro, se não irresponsável, apregoar o fim das dificuldades quando se sabe que as reformas mal começaram.
O governo teve três anos para negociar mudanças que eram indispensáveis à estabilidade. Faltou coragem política para levá-las adiante.
Seria mais prudente, agora, mudar de atitude em vez de novamente fingir que tudo vai bem com o Real.

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