São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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O medo da responsabilidade

AMÉRICO MASSET LACOMBE

Sempre achei que uma das características do funcionalismo brasileiro fosse o verdadeiro pavor de assumir qualquer tipo de responsabilidade.
E isso parece que vem sendo confirmado pelos nossos governadores. Eles não têm coragem de enxugar suas máquinas administrativas -o que podem fazer sem nenhuma emenda constitucional, demitindo os funcionários ineficientes.
Já externei essa idéia quando escrevi sobre as "reformas inúteis" (Folha, 19/7, pág. 3-2). Mas agora vejo que comodismo, bajulação ao poder central, vontade de obedecer e todas as características das personalidades fracas são as notas dominantes do caráter de grande parte dos nossos governadores.
Eles se recusam a fortalecer o espírito federativo, ganhando maior autonomia para administrar a segurança e a polícia dos seus respectivos Estados.
Quando o Ministério da Justiça propõe -num ato de grande lucidez- retirar da Constituição o art. 144 (capítulo 3 do título 5), os governadores (não todos, é verdade) dizem que são contra, não querem autonomia, preferem a subordinação ao governo central.
Ora, o princípio federativo é cláusula pétrea. Isso significa que os Estados devem agir como tal, não como províncias ou departamentos. Se a Federação é intocável, os senhores governadores devem se convencer de que são chefes de Estado, não diretores de repartições públicas.
Além do mais, para a garantia do pacto federativo, os Estados devem ter: a) autonomia financeira; b) autonomia para administrar a segurança pública dentro dos seus territórios.
Note-se ainda que o art. 144 da Constituição é inútil, para dizer o mínimo. É um monstrengo que só a insanidade momentânea de alguns constituintes poderia ter criado. A matéria ali tratada é de lei, não de Constituição. É um verdadeiro absurdo dizer na Carta quais as espécies de polícia que devem existir.
Andou bem, portanto, o Ministério da Justiça. O art. 144 deve ser simplesmente retirado da Constituição. E a organização das polícias estaduais deve ser totalmente regulada pelos Estados, sem nenhuma interferência federal.
Não procede o comentário de que, se cada Estado dispuser de suas polícias com ampla autonomia, ficaremos iguais aos Estados Unidos. Deus queira que sim. Lá as polícias são eficientes.
O que falta, pois, à maioria dos nossos governadores é coragem para enfrentar o problema. Ao governo federal só cabe propor a retirada do art. 144. O resto é com os Estados. Eles que assumam a responsabilidade sem medo.

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