São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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FHC e o movimento sindical

LUIZ MARINHO; MIGUEL ROSSETTO; TARSO GENRO

É de esquerda um presidente que exige levar até o fim a vingança contra os petroleiros?
LUIZ MARINHO, MIGUEL ROSSETTO e TARSO GENRO
Há muito tempo o movimento sindical não adesista vem recebendo do governo de Fernando Henrique Cardoso um tratamento parecido com o dispensado pelos generais na época da ditadura militar.
O sindicalismo sério e independente não espera nenhum tipo de apoio ou benesse do governo, mas não aceita perseguições. Denuncia-as, e não se assustará se revivermos uma nova onda de prisões de seus dirigentes.
A lamentável atitude do ministro das Comunicações, agredindo os carteiros em greve, no mês passado, com os mesmos termos utilizados pelo regime militar para desqualificar as oposições que lutavam por liberdade -incluindo o próprio Sérgio Motta, naquela época-, exige uma reflexão mais profunda sobre o choque entre autoritarismo prático e defesa teórica da democracia que vem marcando o atual governo.
Além da hostilidade genérica às organizações sindicais, alguns episódios deixaram um rastro de autoritarismo e de inflexibilidade que nada tem em comum com os ideais de convivência democrática e do exercício legítimo de hegemonia.
A mesma hostilidade está presente no conjunto da política econômica em vigor, com todos os seus aspectos recessivos, bem como na essência das reformas neoliberais que se pretende implementar na Previdência, na administração pública e nas relações de trabalho.
Truculência é o termo mais preciso para descrever o comportamento governamental em relação à greve dos petroleiros, em maio de 1995, e o espírito vingativo e mesquinho com que o governo busca, ainda hoje, manter as demissões das lideranças da categoria e executar multas que levariam à destruição das entidades sindicais do setor.
Igualmente autoritária foi a decisão de romper o compromisso assumido por nosso país junto à OIT (Organização Internacional do Trabalho) no tocante à convenção 158, que busca combater as demissões de trabalhadores quando não existam relevantes razões de conduta funcional ou profunda crise das empresas.
Num país onde o desemprego cresce como um pesadelo, que já atingiu ou ameaça cada lar e cada cidadão, é evidente que a medida revela baixo interesse em preservar direitos sociais e ampliar a democracia e alta preocupação de sinalizar ao capital volátil -que domina a chamada globalização- que o Brasil é território aberto aos investimentos que queiram fazer uso predatório da força de trabalho.
Também o projeto do ministro Paulo Paiva sobre trabalho temporário -uma espécie de abertura da temporada de caça para precarizar ainda mais as relações de emprego em nossa sociedade- e várias outras iniciativas do mesmo corte poderiam ser arrolados numa listagem, atestando a animosidade que pauta a atitude do governo FHC diante dos sindicatos.
Leitores mais politizados se perguntarão, a esta altura do artigo, por que seus autores estão evocando com tanta insistência um eventual compromisso de FHC com a democracia numa hora em que as chacinas de Corumbiara e Eldorado do Carajás, os escândalos do Sivam e do Proer e a compra de votos para garantir a emenda da reeleição já mostraram que seu governo não tem um respeito especial por ela.
A resposta deve ser buscada na intrigante entrevista que o presidente deu à "Veja", tempos atrás, na qual se apóia em importantes pensadores de esquerda, como Gramsci, Bobbio e Hobsbawm, para se proclamar, novamente, "de esquerda" e declarar que a meta maior de seu governo é "radicalizar a democracia".
O intrigante, aqui, não está na virtual pirataria que FHC pratica quando diz defender a tese da "radicalização da democracia", cuja propriedade intelectual, na experiência brasileira, é obviamente das plataformas partidárias do PT e das outras forças do campo democrático e popular.
O intrigante é tentar saber se o presidente diz coisas tão colidentes com o conteúdo prático de seu governo por estar já mergulhado naquelas síndromes de alheamento do real em que muitos dirigentes se abatem ou se estamos num cenário ainda pior, de cinismo confesso.
Preferimos a primeira hipótese e saudamos a anunciada manutenção de relações, mesmo teóricas, com os ideais de aprofundamento da democracia e com o desafio da extensão da cidadania. Mas fica aqui a interpelação que tenta ligar suas declarações à política concreta praticada por seu governo no referente à área sindical.
É de esquerda um presidente que exige levar até o fim a vingança contra os petroleiros? Estaria radicalizando a democracia um governo que acoberta as truculências do ministro Sérgio Motta em relação aos grevistas dos Correios? Estaria ampliando a cidadania um presidente que denuncia a convenção 158 da OIT para facilitar ainda mais a guerra ao emprego que marca a reestruturação produtiva em curso no país?
A resposta a perguntas como essas deve fazer parte de um debate efetivamente democrático, que busque realizar, com urgência, uma denúncia profunda do sentido geral que FHC vem imprimindo à sua intervenção no campo trabalhista e sindical e da atitude adotada em relação às entidades representativas dos trabalhadores. Em benefício do país e da democracia.
Todos os pensadores citados na referida entrevista devem ter ensinado ao presidente que os sindicatos de trabalhadores e as greves são parte constitutiva da democracia. O regime democrático precisa ser visto como convivência no dissenso, não como oportunidade de afirmação autoritária de uma vontade única, expressa pelo poder.

Luiz Marinho, 38, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
Miguel Rossetto, 45, é deputado federal pelo PT-RS.
Tarso Genro, 51, é ex-prefeito de Porto Alegre (RS).

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