São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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Lições de fora e de dentro

OTAVIO FRIAS FILHO

Está chovendo na horta das oposições, sem que elas mereçam. A derrota da administração Menem, nas eleições de domingo na Argentina, deu a primeira prova empírica de que a estabilização da economia é um ativo político que o tempo leva embora, se não for reabastecido com realizações que o eleitorado reconheça e valorize.
No dia seguinte, o colapso financeiro em escala mundial foi outra demonstração empírica, agora de que o modelo da estabilização é vulnerável a perturbações que estão fora do controle do governo e do país, de qualquer país. As duas coisas eram sabidas em teoria, o que é muito diferente de experimentá-las na prática.
Se o susto parar por aí (o que é apenas uma das possibilidades), é provável que o episódio das Bolsas tenha efeitos positivos. O governo deve sair da olímpica confiança reeleitoral que o paralisa há meses. Incapaz de formular uma opção própria, a oposição tem agora a chance de aprender algo com as lições que vêm de fora.
O governo ao menos sabe o que quer. Trata-se de trocar a âncora da estabilidade -o câmbio fixo- por outra menos volátil, que seria a estabilidade das próprias contas públicas: gastar menos (ou "melhor") e arrecadar mais (ou "melhor"). Daí a insistência nas reformas emperradas no Congresso. E a oposição, o que quer?
Tanto o efeito Menem quanto o crash financeiro mostram que a política está longe de atingir o estágio neutro da "administração das coisas", quando não mais haveria divergências nem surpresas. O imprevisto e a competição, componentes tradicionais do jogo democrático, continuam ativos sob as formas mais desconcertantes.
A mudança talvez mais importante, como vimos nitidamente agora, é que as turbulências se transmitem de maneira automática, multiplicadas pela própria instantaneidade da sua difusão. Graças ao chamado sistema midiático, as percepções do eleitorado também podem mudar de uma hora para outra, atropelando partidos e instituições.
Nesse quadro, parecem mais bizantinas do que nunca as preocupações da oposição com uma ilusória "união das esquerdas", com a costura entre partidos, com a ampliação de alianças etc. Esses mecanismos não funcionam mais, ou pelo menos não da forma habitual. Se há algum ensinamento legado por Collor é esse.
Costumamos chamar pejorativamente de populismo toda política que dispense as mediações tradicionais dos partidos e associações civis. Tudo muda, porém, quando as formas técnicas da vida moderna passam a ligar a periferia eleitoral diretamente ao coração da política, ou seja, à política econômica internacionalizada.
*
O rodízio do prefeito Celso Pitta parece piada de português. O trânsito está bom nas horas de rush e péssimo em qualquer outro horário. Dada a fraqueza política da pressão popular, o transporte público só melhora se a classe média precisar dele. Combater o automóvel, em vez de conciliar com ele, é a única forma de gerar esse interesse.

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