São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 1997
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Arrogância neoliberal

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Depois das dentaduras, o governo de FHC brande novo argumento. Num debate promovido pelo Carlos Chagas, para provar que o neoliberalismo é o maná descido dos céus, o porta-voz Sergio Amaral veio com uma estatística: dobrou o número de aparelhos de televisão consumidos pelo povo.
O orgulho com que repetiu esse tipo de argumento lembra a arrogância com que um jogador de pôquer, depois de deixar os adversários se encalacrarem, abre na mesa suas cartas e exibe a sequência gloriosa, de dez a ás, em ouro, ainda por cima.
Ninguém duvida que o neoliberalismo e a globalização, na medida em que entronizam o mercado como novo Moloch a presidir a sociedade, tendem a baratear custos e produtos. Dentaduras e aparelhos de TV ficarão ao alcance de mais gente.
Paradoxalmente, será maior o número de pessoas excluídas do processo econômico. O preço social que estamos pagando pelas dentaduras e pela facilidade de comprar eletrodomésticos não torna a humanidade mais feliz. Com dentadura e podendo optar entre as maravilhas que desfilam pelo Faustão ou pelo Gugu, o trabalhador teme exatamente perder sua condição básica dentro da sociedade: a de trabalhador.
A desculpa apresentada é que o fenômeno do desemprego tornou-se universal. Que a globalização não é uma ideologia, muito menos um capricho do neoliberalismo, mas a realidade deste final de século. Bolas, a lei da gravidade é também universal e existe há mais tempo. Nem por isso o homem desistiu de discipliná-la, construindo fundamentos, colunas, tetos e motores que, sem abolir a gravidade, a domesticaram a favor de todos.
A alacridade do governo, agora mesclada com certa arrogância, está mal informada. Se nem só de pão vive o homem, não será com dentadura e TV que ele viverá.

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