São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 1997
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O que deu certo e o que não deu

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em sua primeira semana de existência, o projeto Arte/Cidade 3 já demonstrou que arte contemporânea, além de conceito, é feita de cálculos.
Prova disso são as obras de Ruy Ohtake e de Laura Vinci, que não decolaram por problemas de gravidade.
Originalmente, como pode ser observado no desenho da maquete abaixo, o trabalho de Ohtake seria composto por um balão que ligaria uma base triangular de metal espelhado a uma das torres das indústrias Matarazzo, estabelecendo uma relação entre o passado histórico do lugar e sua potencialidade.
"Inicialmente, o balão seria inflado com gás hélio, que é mais leve que o ar, mas a equipe de balonismo que me assessorou disse que o ar quente seria suficiente, mas o jato de ar não conseguiu levantá-lo até a altura necessária", disse Ohtake. Mas a gravidade foi mais forte e o balão acabou reduzido a uma estrutura amorfa.
O contrário aconteceu com a obra da artista plástica Laura Vinci, que partiu de uma forma bem definida -uma montanha de areia e sílica- para também evidenciar a passagem do tempo no espaço em ruínas do Moinho Central. Um furo no teto, sob a montanha, deveria transformá-la em uma ampulheta gigante.
Mas a umidade do ambiente e a baixa atração da gravidade fizeram com que a idéia não se concretizasse como previsto.
No dia da abertura do evento, era comum ver a própria artista cutucando o furo no teto com uma vara longa para colocar a ampulheta em funcionamento.
"A noção de obra bem-sucedida é relativa em um evento como esse. As obras foram feitas no corpo-a-corpo, com os materiais e os espaços. Ao contrário de constrangedor, é um sinal de que as obras são frutos de uma tensão", justificou-se Nelson Brissac Peixoto, organizador do projeto.
Uma das boas surpresas, mas que durou pouco (apenas duas horas), foi a performance "Apófase", de Maurício Ianês. O termo, que significa "proposta negativa", remete ao conceito geral da obra do artista, que se fundamenta na impossibilidade de qualquer linguagem -inclusive a arte- verbalizar certos discursos.
"Envolvi todo meu corpo com fita isolante para discutir o pensamento como impulso elétrico, que se espalha pelo corpo, mas não consegue ser transmitido para o outro", disse. Ianês não repetirá mais a performance. "Refazê-la seria representar o que aconteceu na primeira vez, e experiência não é representação", disse.

Evento: Arte/Cidade 3
Onde: projeto de intervenção urbana entre a estação da Luz e as indústrias Matarazzo (entrada e estacionamento na av. Francisco Matarazzo, 1.096), com obras criadas por 37 artistas
Quando: de terça a domingo, das 12h às 21h. Até 30 de novembro
Quanto: entrada franca

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