São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 1997 |
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Projeto de intervenção evidencia o auto-esquecimento da cidade
EDILAMAR GALVÃO
* Folha - Com a velocidade da informação, a velocidade urbana, a cidade fica cada vez menos apreensível ao olhar. Como a arte lida com isso? Nelson Brissac Peixoto- Eu acho que uma das características da contemporaneidade é ter alterado radicalmente as nossas noções de espaço. O olho não dá mais conta dessas grandes escalas. A arte contemporânea está ligada a essa crise do olhar, que nos confronta com situações que estão para além de nossa capacidade de medida. Folha - Você parece recorrer àquela idéia de Walter Benjamin de que à arte resta nos ensinar a lidar com um mundo em movimento. Brissac - Uma arte que nos ensina a conviver, antes de mais nada, com aquilo que escapa aos nossos sentidos imediatos. Ela coloca desafios à percepção e suscita novas formas de apreensão e organização do espaço. Folha - É uma tentativa de tornar visível o que já existe? Brissac - Seria uma ingenuidade pressupor que uma intervenção desse tipo integraria essas áreas fragmentadas. Costuraria um terreno esgarçado. Trata-se de trazer a tona esse esgarçamento, de levá-lo à experiência e de fazer pensar sobre ele. A metrópole é um espaço para além da possibilidade de apreensão, organização e homogeneização. Folha - Como a arte interage com a memória e com a ruína? Brissac - Seria ingênuo esperar que a arte, a arquitetura e o urbanismo tivessem a capacidade de recompor essa memória. A metrópole, especialmente São Paulo, trabalha sistematicamente pelo apagamento, pela destruição contínua e reconstrução incessante dos mesmos espaços. São Paulo lida mal com o que foi. Esses espaços trazem a marca do apagamento tanto quanto o indício do que foi a cidade. As pegadas, os rastros, são continuamente soterrados, incessantemente destruídos. O que as intervenções fazem é aflorar esse trabalho inconsciente de ocultar o seu passado, de negar o seu passado. São Paulo é uma cidade voltada para o esquecimento, para o auto-esquecimento. Esse processo perverso, ao ser evidenciado, permite que, nessas fissuras, nas entranhas, nos desvãos desses muros, por entre esses telhados caídos, a gente consiga recuperar indícios dessa narrativa e trabalhar os fragmentos dessa história perdida, de modo a obter um quadro, ainda que fragmentado, desse passado, e que aponte suas possibilidades. Folha - Qual é a possibilidade de a arte dialogar com tudo isso para criar outra experiência, que inclui a memória? Brissac - O nosso trem não é um trem-fantasma que navega para o passado. O que se procura ao visitar essas fantasmagorias, esses imensos monumentos que se erguem no meio das ruínas, é apontar formas novas para reatar o passado e o futuro. Esses lugares não têm presente, eles não são nada, são espaços em suspensão, nada acontece aqui, eles estão em silêncio absoluto. A destruição é parte constitutiva do processo de construção do futuro. É por isso que esses lugares são potentes. Texto Anterior: O que deu certo e o que não deu Próximo Texto: Tom Jobim é homenageado me Nova York Índice |
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