São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 1997
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Igreja faz autocrítica sobre antijudaísmo

DA REDAÇÃO

Os preconceitos que circularam durante séculos nas sociedades cristãs "sufocaram" sua capacidade de se opor ao anti-semitismo nazista, disse ontem o dominicano Georges Cottier, considerado o teólogo mais próximo do papa João Paulo 2º, citado pela agência de notícias "France Presse".
A declaração foi feita na abertura do simpósio "As Raízes do Antijudaísmo no Cristianismo". Com 60 participantes, entre cardeais, bispos e teólogos, o encontro vai até amanhã e é fechado ao público.
Segundo Cottier, os trabalhos devem dar ao papa João Paulo 2º "um material de qualidade científica indiscutível para a redação de um documento sobre as responsabilidades históricas dos cristãos neste terreno".
A comunidade judaica italiana expressou insatisfação por especialistas judeus não terem sido convidados para o simpósio.
A luz que guia o encontro, segundo Cottier, é um documento de 1965 do Concílio Vaticano 2º. Chamado de "Nostra Aetate" (Em Nossos Tempos), condena o anti-semitismo e afirma que não se pode culpar os judeus coletivamente pela crucificação de Jesus.
A seguir, leia trechos de entrevista do teólogo Cottier ao jornal italiano "Corriere della Sera". O padre dominicano fala das comemorações do Jubileu do ano 2000 e dos seminários sobre o antijudaísmo (em andamento) e sobre a Inquisição (no ano que vem).
*
Pergunta - Por que o anti-semitismo e a Inquisição foram escolhidos e outros temas, como a escravidão, ficaram de fora?
Georges Cottier - Esses dois temas pareceram prioritários pelo caráter geral, pela duração histórica, pelas implicações teológicas e também pela vastidão do escândalo que provocaram e ainda hoje provocam.
Acima de tudo, porém, há a indicação do papa de que, entre os "pecados" históricos a se fazer penitência, em primeiro lugar está "o consentimento com métodos de intolerância e até de violência a serviço da verdade".
Não havia tempo para tratar de outros temas. E, sobre os escravos, o papa já falou bastante.
Pergunta - E as vítimas da intolerância, como Savonarola? Dada a finalidade da pesquisa, não era mais eficaz estudar as pessoas e o que elas sofreram?
Cottier - Foi proposto estudar o casos dele, como os de Bartolomeo de las Casas e Giordano Bruno, mas preferimos estudar temas gerais. Nós trabalhamos no plano universal. É possível, e até desejável, que outras comissões, nacionais ou regionais, tratem desses nomes. Em Florença, recentemente, foi proposta a abertura de processo de beatificação de Savonarola, que, espero, possa ser concluído até o final do século.
Pergunta - Os dois simpósios serão abertos ao público?
Cottier - Não, serão fechados e reservados a especialistas. Mas esperamos publicar os resultados.
Pergunta - Que tipo de resultado se espera?
Cottier - Podem ser teses ou apenas um relatório.
Pergunta - Que especialistas foram convidados a participar?
Cottier - Sobre o anti-semitismo, chamamos só especialistas cristãos, mas não apenas católicos. Teremos também protestantes e ortodoxos.
Pergunta - Nenhum judeu?
Cottier - Já que os problemas dizem respeito à teologia cristã, nos limitamos a cristãos. Estudaremos as raízes do anti-semitismo como um problema interno da igreja: não aquele que já existia antes do cristianismo, nem aquele que surgiu depois do Iluminismo e que tem outras motivações.
O objetivo é menos conhecer o fato histórico do anti-semitismo, sobre o qual já há muitos trabalhos bem feitos, e mais dar um juízo teológico: como foi possível que cristãos, bispos e papas, até mesmo santos, tenham sido passivos, tolerantes e tenham até perseguido os judeus, justificando tudo isso com razões de fé.
Pergunta - Há anos o Vaticano está preparando um documento sobre o anti-semitismo. As conclusões desse simpósio ajudarão?
Cottier - Não. Esse documento, já encomendado, foi confiado à Comissão para Relações Religiosas com o Judaísmo. Ele tratará do anti-semitismo hoje e do empenho da Igreja para a superá-lo.
Pergunta - O simpósio sobre a Inquisição também será reservado a estudiosos cristãos?
Cottier - Não, provavelmente convidaremos também estudiosos laicos. Nesse caso a questão é mais histórica do que teológica.
Pergunta - Por que vocês estão falando de inquisições, no plural?
Cottier - Porque não houve somente a Inquisição espanhola, à qual nos referimos normalmente ao falar de inquisição em geral. Houve também uma inquisição medieval e, mais tarde, uma romana. Trataremos de todas.
Pergunta - Com base nas conclusões dos simpósios, o papa vai pedir perdão?
Cottier - A previsão é essa. Todo o trabalho é feito tendo em vista um "ato de perdão", no âmbito do Jubileu. Nós entregaremos as nossas conclusões ao cardeal Roger Etchegarray, presidente da comissão do Jubileu. Ele levará ao papa, que decidirá sobre o perdão.
Pergunta - Não é extraordinário que o diretor dos simpósios seja um dominicano, sendo que foram os dominicanos os principais responsáveis pelas inquisições? É uma brincadeira da história?
Cottier - Claro que podemos fazer algumas piadas sobre isso! Houve e há dominicanos de diferentes orientações. Em 1832, quando se deu a última batalha sobre Galileu aqui no Vaticano, a defesa e a oposição à publicação das obras do cientista foram feita por dominicanos.

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