São Paulo, sexta-feira, 31 de outubro de 1997
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CIDADE FEUDAL

A idéia de que os conflitos públicos devem ser administrados de forma pública deveria ser óbvia. Trata-se de um fundamento da vida republicana e uma condição indispensável para que se possa começar a falar em exercício de cidadania. No Brasil, no entanto, desde sempre a apropriação privada do espaço público e o tratamento particularista de problemas comuns são quase uma segunda natureza.
Um exemplo muito concreto dessa atitude parte agora dos moradores de Alto de Pinheiros, bairro residencial elegante de São Paulo. A Saap (Sociedade dos Amigos de Alto de Pinheiros) elaborou um projeto para dividir a região em bolsões e fechar as ruas, reduzindo o acesso a algumas poucas passagens para uso quase exclusivo dos seus moradores. Os motivos: o alto índice de assaltos e o excesso de tráfego no local.
A exemplo do que já ocorre em outros bairros, a proposta contribui para uma espécie de feudalização da cidade. No Morumbi, por exemplo, são em grande número as ruas fechadas por guaritas; no ano passado, moradores dos Jardins propuseram um "complemento" salarial a policiais que atuam naquela área da cidade, o que significa na prática uma tentativa de transformar em milícia privada uma parcela dos servidores do Estado encarregados da segurança pública de toda a população.
Ninguém desconhece que São Paulo é uma cidade violenta, onde se vive em permanente estado de alerta, tensão e medo. No entanto, a idéia de que o problema possa ser resolvido com o fechamento de ruas, a privatização da segurança e a proliferação de guetos que mantenham os mais ricos longe de riscos e da miséria é regressiva e anti-republicana. Pretendendo melhorar a qualidade de vida de uns poucos, agrava a segregação social e estimula a violência. Problemas públicos precisam ser tratados de forma pública. Caso contrário, regride-se ao estágio social primitivo que o filósofo inglês Thomas Hobbes caracterizou como sendo de "guerra de todos contra todos".

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