São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997 |
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Autópsia põe em dúvida suicídio de Iara
EMANUEL NERI
A versão policial é a de que Iara se suicidou com um tiro no peito. Depois, surgiu a informação de que ela teria sido morta por uma rajada de metralhadora. O próprio legista que fez a autopsia questiona a natureza da morte. "Suicídio?", pergunta. O laudo final sobre sua morte continua desaparecido. O rascunho da autópsia do cadáver de Iara foi enviado pelo IML (Instituto Médico Legal) de Salvador (BA) à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Justiça, que analisa indenizações a familiares de vítimas do regime militar (64-85). Judia, formada em psicologia pela Universidade de São Paulo, Iara morreu em 20 de agosto de 1971, aos 27 anos, durante cerco policial a seu apartamento, na Pituba, em Salvador. Bonita, vaidosa, sedutora, Iara teve uma vida fascinante como mulher e ativista política. Participou da luta armada pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e pelo MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). Namorou José Dirceu, o atual presidente do PT, e viveu com o líder guerrilheiro Carlos Lamarca, morto na Bahia um mês depois dela. O caso Iara tem ainda um ingrediente religioso. A versão de que ela se suicidara fez com que fosse sepultada na ala dos suicidas no Cemitério Israelita do Butantã. Mais recentemente, com a versão de que Iara fora assassinada, a família quis exumar seus restos mortais para nova perícia. A Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo vetou a exumação, contrária às leis judaicas. A família recorreu à Justiça para fazer a exumação. "Suicídio?" O laudo de necropsia de Iara, ao qual a Folha teve acesso, é manuscrito, feito pelo médico legista Charles Rennè Pitex, já morto. O laudo oficial continua desaparecido. Mas a cópia manuscrita tira algumas dúvidas sobre a morte. Iara não foi morta por uma rajada de metralhadora, conforme versão de um médico baiano que conversara com um dos policiais que fez o cerco ao apartamento em que ela morava. O tiro que a matou foi dado à queima-roupa, atingindo coração e pulmão esquerdo. Resta saber se o tiro foi dado pela própria Iara ou por algum policial. O próprio legista mostra ter dúvidas sobre a versão dos militares ao colocar um sinal de interrogação diante da palavra suicídio. A mesma dúvida aparece no atestado de óbito de Iara. "Morte violenta (suicídio?)", escreve Pitex em suas observações sobre a natureza da morte. Não foi feita análise de perito criminal. No laudo, Pitex revela detalhes que podem levar ao esclarecimento da morte. O tiro, diz, foi dado de frente para trás, com "discreta obliquidade" para a esquerda. A arma estava tão próxima ao peito de Iara que causou "queimadura ultracircular" de 15 milímetros. Na última sexta-feira, José Américo Seixas, diretor do IML de Salvador, colocou mais dúvidas sobre o verdadeiro motivo da morte de Iara. "O Pitex era um legista muito cuidadoso. Se colocou a interrogação é porque tinha dúvidas." Para Seixas, as dúvidas de Pitex podem ter sido esclarecidas no relatório final do laudo, que está desaparecido. Diz que o IML enviou o documento para a Polícia Federal de Salvador. Mas a PF diz não saber do paradeiro do laudo. Decisão oficial A decisão sobre a versão oficial da morte de Iara será dada pela comissão do Ministério da Justiça no próximo dia 13 de novembro. A tendência da relatora do caso, Suzana Lisboa, é responsabilizar a União por mais essa morte. "A comissão desmentiu mais de 120 versões de mortes divulgadas pelos militares", diz Lisboa. Uma delas é a do próprio Lamarca. Nova perícia em seus restos mortais concluiu que ele foi atingido deitado de barriga para cima. Para o Exército, ele morrera em combate. Texto Anterior: Metade do lucro de TVs em sorteios vai para clubes Próximo Texto: A necropsia de Iara Iavelberg Índice |
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