São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Autópsia põe em dúvida suicídio de Iara

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Vinte e seis anos depois da morte de Iara Iavelberg, começa a ser desfeito o mistério sobre as circunstâncias em que ela morreu. Rascunho da autópsia feita em seu cadáver revela que Iara foi morta com apenas um tiro, no peito esquerdo. Mas ainda há dúvidas se foi suicídio ou assassinato.
A versão policial é a de que Iara se suicidou com um tiro no peito. Depois, surgiu a informação de que ela teria sido morta por uma rajada de metralhadora. O próprio legista que fez a autopsia questiona a natureza da morte. "Suicídio?", pergunta. O laudo final sobre sua morte continua desaparecido.
O rascunho da autópsia do cadáver de Iara foi enviado pelo IML (Instituto Médico Legal) de Salvador (BA) à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Justiça, que analisa indenizações a familiares de vítimas do regime militar (64-85).
Judia, formada em psicologia pela Universidade de São Paulo, Iara morreu em 20 de agosto de 1971, aos 27 anos, durante cerco policial a seu apartamento, na Pituba, em Salvador. Bonita, vaidosa, sedutora, Iara teve uma vida fascinante como mulher e ativista política.
Participou da luta armada pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e pelo MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). Namorou José Dirceu, o atual presidente do PT, e viveu com o líder guerrilheiro Carlos Lamarca, morto na Bahia um mês depois dela.
O caso Iara tem ainda um ingrediente religioso. A versão de que ela se suicidara fez com que fosse sepultada na ala dos suicidas no Cemitério Israelita do Butantã.
Mais recentemente, com a versão de que Iara fora assassinada, a família quis exumar seus restos mortais para nova perícia. A Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo vetou a exumação, contrária às leis judaicas. A família recorreu à Justiça para fazer a exumação.
"Suicídio?"
O laudo de necropsia de Iara, ao qual a Folha teve acesso, é manuscrito, feito pelo médico legista Charles Rennè Pitex, já morto. O laudo oficial continua desaparecido. Mas a cópia manuscrita tira algumas dúvidas sobre a morte.
Iara não foi morta por uma rajada de metralhadora, conforme versão de um médico baiano que conversara com um dos policiais que fez o cerco ao apartamento em que ela morava. O tiro que a matou foi dado à queima-roupa, atingindo coração e pulmão esquerdo.
Resta saber se o tiro foi dado pela própria Iara ou por algum policial. O próprio legista mostra ter dúvidas sobre a versão dos militares ao colocar um sinal de interrogação diante da palavra suicídio.
A mesma dúvida aparece no atestado de óbito de Iara. "Morte violenta (suicídio?)", escreve Pitex em suas observações sobre a natureza da morte. Não foi feita análise de perito criminal.
No laudo, Pitex revela detalhes que podem levar ao esclarecimento da morte. O tiro, diz, foi dado de frente para trás, com "discreta obliquidade" para a esquerda. A arma estava tão próxima ao peito de Iara que causou "queimadura ultracircular" de 15 milímetros.
Na última sexta-feira, José Américo Seixas, diretor do IML de Salvador, colocou mais dúvidas sobre o verdadeiro motivo da morte de Iara. "O Pitex era um legista muito cuidadoso. Se colocou a interrogação é porque tinha dúvidas."
Para Seixas, as dúvidas de Pitex podem ter sido esclarecidas no relatório final do laudo, que está desaparecido. Diz que o IML enviou o documento para a Polícia Federal de Salvador. Mas a PF diz não saber do paradeiro do laudo.
Decisão oficial
A decisão sobre a versão oficial da morte de Iara será dada pela comissão do Ministério da Justiça no próximo dia 13 de novembro. A tendência da relatora do caso, Suzana Lisboa, é responsabilizar a União por mais essa morte.
"A comissão desmentiu mais de 120 versões de mortes divulgadas pelos militares", diz Lisboa. Uma delas é a do próprio Lamarca. Nova perícia em seus restos mortais concluiu que ele foi atingido deitado de barriga para cima. Para o Exército, ele morrera em combate.

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