São Paulo, domingo, 2 de novembro de 1997
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Mulatos já tinham relevância no Rio do século 18, diz tese

RONI LIMA
DA SUCURSAL DO RIO

Tese de doutorado do arquiteto Nireu Oliveira Cavalcanti, 53, demonstra que os mulatos tiveram presença relevante na construção do Rio colonial do século 18 -muitos chegando a se destacar na vida da cidade.
Aprovada com grau "dez com distinção" no programa de pós-graduação em história social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a tese "A Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: as Muralhas, sua Gente, os Construtores" sustenta que não se pode falar desse período do país sem se referir a pelo menos 12 mulatos.
Um século antes de mulatos como os escritores Machado de Assis e Lima Barreto marcarem presença na cena cultural, o Rio vivia em pleno regime escravocrata, mas já exibia figuras como o escultor e arquiteto mestre Valentim e o compositor padre José Maurício.
Morto em 1813, Valentim da Fonseca e Silva deixou obras de relevo, como o projeto paisagístico e de esculturas do Passeio Público (centro). O padre José Maurício é tido como o maior compositor do Rio no século 18.
Professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e da Universidade Santa Úrsula, Cavalcanti diz que esses são apenas exemplos mais ilustres de um grupo social de alforriados ou filhos de ex-escravas marcante na formação do Rio.
O arquiteto fez detalhada pesquisa documental no Rio e em Lisboa para elaborar a história urbana da cidade no período setecentista. Ao focar o intervalo de 1710 a 1810, queria discutir o perfil da cidade encontrada pelo príncipe d. João quando chegou ao Rio, em 1808, fugindo das tropas napoleônicas.
Detalhista a ponto de pesquisar os grupos que integravam a sociedade de então. ele ficou surpreso ao perceber "com que frequência e peculiaridade a gente mulata se postava nas encruzilhadas das artes e das profissões".
Para a historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, presidente da banca examinadora da UFRJ, ele teve o mérito de levantar "uma documentação fantástica" e fazer uma análise interdisciplinar, misturando conceitos históricos e arquitetônicos.
Na terceira parte da tese, "A Cidade e seus Construtores", Cavalcanti revela que, para os filhos de ex-escravas ou aqueles alforriados, "um grande passo para ser reconhecido era a profissão e destacar-se nela".
Para reunir dinheiro para a compra da liberdade, escravos trabalhavam em horas de folga ou mesmo aos domingos. Apenas uma minoria de senhores concedia as alforrias gratuitamente.
Para tentar driblar o preconceito da sociedade e conseguir melhores postos de trabalho, mulatos fundaram duas irmandades religiosas. A da Nossa Senhora da Conceição dos Homens Pardos chegou a reunir, em 1790, 323 pagantes.

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